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A mão da limpeza
A mão-de-obra que se encarregou de cuidar da
casa dos outros sempre teve uma história ligada à
subvalorização do trabalho -e, por consequência,
da profissão.
Segundo a historiadora e coordenadora-geral do
Arquivo Nacional Mary del Priore, no Brasil colonial, o trabalho doméstico conviveu com a escravidão mesmo entre pessoas pobres, que, apesar das
dificuldades, possuíam escravos. "Tudo se fazia
em casa: de sabão a travesseiro, de roupas diárias a
roupa de cama."
De acordo com o historiador Paulo César Garcez
Martins, professor do Museu Paulista da USP, a
proibição do tráfico de escravos, em 1850, acarretou uma crise que repercutiu dentro de casa. "Progressivamente mais caros, os escravos domésticos
se transformaram em artigo de luxo. Isso fez com
que a mão-de-obra livre se instalasse, formada por
uma população pobre", diz.
Nos Estados Unidos, a profissão também teve
sua origem ligada às populações desprivilegiadas.
Segundo a historiadora norte-americana Alana
Erickson Coble, Ph.D em história americana pela
Universidade Columbia, a grande mudança veio
no final do século 20, quando a redução da oferta
deste tipo de trabalho acabou aumentando seu
preço -e, portanto, seu valor. "Agora todos têm
voz na negociação", diz.
Em sua tese "Dirty Linen: Change in Twentieth
Century American Domestic Service" (roupa suja:
mudança do serviço doméstico americano no século 20), inspirada por sua bisavó -imigrante
sueca, que, aos chegar aos EUA, trabalhou como
doméstica-, Alana afirma que, por outro lado,
"ainda há muitos trabalhadores ilegais -sul-americanos e caribenhos em grande parte- que continuam sendo mais vulneráveis à exploração".
No Brasil, a coisa não avançou muito. "Os trabalhadores domésticos foram um dos últimos a serem protegidos pelas leis trabalhistas", afirma o
historiador Garcez Martins. "Ainda é um trabalho
muito explorado, marcado pela exclusão, com jornadas que podem ir das seis da manhã até as onze
da noite."
Descendente de escravos, a baiana Joanice Santos, 35, hoje é secretária-geral e presidente em exercício da Federação Nacional do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos e testemunha a desvalorização. Ela afirma que ainda estão lutando pelo
FGTS fixo, ainda opcional por lei. "Estamos numa
senzala moderna", diz Joanice, que trabalha como
doméstica desde os nove anos.
Depois de morar por muitos anos em "dependências de empregada", Joanice comprou um terreno e construiu sua própria casa. "Agora, quando
chega sábado, vou limpá-la com carinho. É o meu
retiro espiritual", diz.
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