São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2004 |
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s.o.s. família rosely sayão O melhor presente para as crianças
Uma amiga, tia de três crianças, pediu-me que a ajudasse a escolher alguns brinquedos para dar de presente aos sobrinhos no Dia da Criança, que está se aproximando. Muito dedicada e compromissada com o desenvolvimento e a educação da
garotada, ela queria sugestões que, de algum modo, servissem para mais do que, simplesmente, brincar.
Quase todas as atividades das crianças, no mundo atual, têm objetivos. Os passeios, por exemplo, costumam seguir um script. As brincadeiras seguem o mesmo padrão. Dos brinquedos, então, nem se fala. Que mundo infantil é esse, em que tudo tem de ter um objetivo programado? Dessa maneira, acabamos por limitar tanto a vida da criança que conseguimos o oposto do que pretendemos. A brincadeira é, para a criança, a maneira de ela se relacionar com o mundo, com a realidade, com seus afetos e suas angústias. É pela brincadeira que a criança se conhece, projeta sua vida interior, se desenvolve, investiga o mundo que a cerca e explora suas possibilidades. Mas, para tanto, ela não precisa de objetivos planejados, de brinquedos educativos ou de brincadeiras específicas, tampouco de estratégias planejadas e/ou conduzidas por adultos. Tudo o que ela precisa é de liberdade para se manifestar a seu modo, de espaço para se expressar e pesquisar o que lhe chama a atenção, de vínculos afetivos acolhedores e, principalmente, de tempo. Tempo para usar como queira, inclusive de tempo para aprender a brincar ou a estar sozinha. Todas as vezes em que fazemos um programa qualquer com crianças buscando atingir, deliberadamente, um determinado foco, restringimos suas possibilidades, represamos seu aprendizado. Vamos considerar um passeio, por exemplo. Hoje é freqüente que pais e escolas, com a intenção de estimular determinados aprendizados e conhecimentos, programem saídas para locais que possibilitem isso. Quando o adulto está focado naquele aprendizado específico, deixa de se interessar por tudo o mais que a criança manifesta. Dessa maneira, perde a grande chance de ouvir -com atenção e disponibilidade- o que não está relacionado à sua proposta inicial. Acontece que qualquer passeio para a criança é uma viagem no mundo da imaginação e do conhecimento. Tudo é -ou pode ser- motivo para indagações, interrogações, perplexidades, curiosidades. E, muitas vezes, matamos todas essas possibilidade em nome do objetivo proposto. O mesmo ocorre com atividades e brincadeiras. Já tive a oportunidade de assistir a um adulto lendo um livro de história para crianças pequenas, de menos de cinco anos. Algumas crianças faziam perguntas que não tinham relação direta com a história lida, mas tinham surgido, sem dúvida alguma, pelo que ouviam. A resposta que o adulto dava era totalmente inibitória: dizia que as crianças deveriam prestar atenção na história e que, mais tarde, terminado o livro, eles conversariam. Ora, e qual criança dessa idade conseguiria guardar a pergunta para mais tarde? Eles esqueceriam e, assim, muitas oportunidades de aprendizado foram mortas. E, o mais importante, o que se perdia nessa situação era o estímulo à vontade de querer saber. Muito tempo atrás, assisti a um "Globo Repórter" sobre o trabalho infantil que mostrou uma cena emocionante. Um garoto de uns dez anos, trabalhador da roça e sem recurso algum, tinha construído um jogo com pedaços de ossos de pequenos animais encontrados no mato. Para a criança descobrir brincadeiras e aprender, não é preciso muito, como ele pôde nos ensinar. No Dia da Criança, qualquer programa com a família, qualquer brinquedo serve para estimular a garotada. Basta não fixar previamente suas possibilidades na relação com seu presente. ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br Texto Anterior: Poucas e boas Índice |
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