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S.O.S. família - Rosely Sayão
Educação para a cidadania
Uma professora contou um fato muito
interessante. Dias
antes do Dia da
Consciência Negra, um aluno
de sua turma, formada por
crianças com idade entre oito e
nove anos, fez uma pergunta:
"O que é Dia da Consciência
Negra?". Um colega respondeu
de pronto, antes que a professora desse a explicação: "É o dia
em que você só tem pensamentos ruins". Depois da explicação da professora, um outro
aluno fez outra pergunta igualmente interessante. Ele queria
saber se só nesse dia as pessoas
deveriam ter essa consciência.
Vivemos em uma sociedade
bastante intolerante com as diferenças, notadamente a racial
e a social. Em tempos em que o
discurso exalta a diversidade
como rica e as relações sociais
democráticas como ideal a ser
buscado, a prática se mostra
muito diferente, principalmente em relação à educação.
Vamos considerar, de início,
uma razão muito usada pelos
pais para justificar concessões
feitas aos filhos. Quando eles
demandam algo que os pais relutam em aceitar, o argumento
mais eficaz é justamente o mal-estar que a diferença provoca.
Assim, quando o filho diz "todo
mundo vai" ou "todos os meus
colegas têm", os pais se sentem
acuados. Afinal, não querem
que o filho seja diferente dos
colegas nem isolado do grupo.
Da mesma maneira, os pais
procuram que o círculo de relacionamento dos filhos seja
composto por pessoas parecidas com eles: que freqüentem a
mesma escola, que vivam em
famílias com o mesmo nível socioeconômico, que tenham a
idade e a aparência similares
etc. Foi por isso, entre outros
motivos, que a classe média retirou seus filhos das escolas públicas e optou pelas privadas.
Que resultados conseguimos
com atitudes desse tipo? Vejamos um deles. Na raiz de muitas atitudes de intimidação entre colegas -o fenômeno chamado de "bullying"-, estão
presentes a intolerância em relação à diferença e o preconceito. Crianças e jovens que se
destacam no grupo por apresentarem uma característica
ou um comportamento diferente são, em geral, os candidatos preferenciais do "bullying".
Mas não é apenas na família
que se ensina a rejeitar a diferença em vez de ensinar a conviver com ela. A escola não tem
colaborado como deveria e poderia para desenvolver o respeito às diferenças. Em seu discurso, a instituição escolar expressa a intenção de oferecer o
aprendizado, desde a educação
infantil, do respeito à diferença, da subordinação dos interesses pessoais ao interesse geral, da cooperação e da solidariedade. Isso é o que se chama
educação para a cidadania. E na
prática, o que a escola faz?
Muito pouco, podemos constatar. Em geral, ela acirra a
competição em vez de promover a cooperação, seleciona e
julga as diferenças, não proporciona discussões interdisciplinares cotidianas a respeito dos
vários tipos de preconceito presentes em nossa sociedade e no
próprio espaço escolar. Além
disso, confunde direitos com
privilégios e não valoriza as virtudes democráticas, entre tantas outras questões.
A educação que busca a convivência respeitosa com a diferença é, certamente, um processo muito lento, o que não
combina com o anseio educativo atual que busca resultados
imediatos. Por isso, é preciso
que os educadores estejam
atentos para manter seus ensinamentos com consistência e
regularidade e, ao mesmo tempo, que criem sempre novas estratégias para tal educação.
Neste ano tivemos, em São
Paulo, uma passeata no Dia da
Consciência Negra. No próximo ano, as escolas que educam
para a cidadania poderiam, por
exemplo, estimular a participação de seus alunos nessa manifestação. Tal atividade seria
muito mais pertinente ao trabalho da escola do que os passeios que ela promove para a diversão de seus alunos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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