São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 2006
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S.O.S. família - Rosely Sayão

Educação para a cidadania

Uma professora contou um fato muito interessante. Dias antes do Dia da Consciência Negra, um aluno de sua turma, formada por crianças com idade entre oito e nove anos, fez uma pergunta: "O que é Dia da Consciência Negra?". Um colega respondeu de pronto, antes que a professora desse a explicação: "É o dia em que você só tem pensamentos ruins". Depois da explicação da professora, um outro aluno fez outra pergunta igualmente interessante. Ele queria saber se só nesse dia as pessoas deveriam ter essa consciência.
Vivemos em uma sociedade bastante intolerante com as diferenças, notadamente a racial e a social. Em tempos em que o discurso exalta a diversidade como rica e as relações sociais democráticas como ideal a ser buscado, a prática se mostra muito diferente, principalmente em relação à educação.
Vamos considerar, de início, uma razão muito usada pelos pais para justificar concessões feitas aos filhos. Quando eles demandam algo que os pais relutam em aceitar, o argumento mais eficaz é justamente o mal-estar que a diferença provoca.
Assim, quando o filho diz "todo mundo vai" ou "todos os meus colegas têm", os pais se sentem acuados. Afinal, não querem que o filho seja diferente dos colegas nem isolado do grupo.
Da mesma maneira, os pais procuram que o círculo de relacionamento dos filhos seja composto por pessoas parecidas com eles: que freqüentem a mesma escola, que vivam em famílias com o mesmo nível socioeconômico, que tenham a idade e a aparência similares etc. Foi por isso, entre outros motivos, que a classe média retirou seus filhos das escolas públicas e optou pelas privadas.
Que resultados conseguimos com atitudes desse tipo? Vejamos um deles. Na raiz de muitas atitudes de intimidação entre colegas -o fenômeno chamado de "bullying"-, estão presentes a intolerância em relação à diferença e o preconceito. Crianças e jovens que se destacam no grupo por apresentarem uma característica ou um comportamento diferente são, em geral, os candidatos preferenciais do "bullying".
Mas não é apenas na família que se ensina a rejeitar a diferença em vez de ensinar a conviver com ela. A escola não tem colaborado como deveria e poderia para desenvolver o respeito às diferenças. Em seu discurso, a instituição escolar expressa a intenção de oferecer o aprendizado, desde a educação infantil, do respeito à diferença, da subordinação dos interesses pessoais ao interesse geral, da cooperação e da solidariedade. Isso é o que se chama educação para a cidadania. E na prática, o que a escola faz?
Muito pouco, podemos constatar. Em geral, ela acirra a competição em vez de promover a cooperação, seleciona e julga as diferenças, não proporciona discussões interdisciplinares cotidianas a respeito dos vários tipos de preconceito presentes em nossa sociedade e no próprio espaço escolar. Além disso, confunde direitos com privilégios e não valoriza as virtudes democráticas, entre tantas outras questões.
A educação que busca a convivência respeitosa com a diferença é, certamente, um processo muito lento, o que não combina com o anseio educativo atual que busca resultados imediatos. Por isso, é preciso que os educadores estejam atentos para manter seus ensinamentos com consistência e regularidade e, ao mesmo tempo, que criem sempre novas estratégias para tal educação.
Neste ano tivemos, em São Paulo, uma passeata no Dia da Consciência Negra. No próximo ano, as escolas que educam para a cidadania poderiam, por exemplo, estimular a participação de seus alunos nessa manifestação. Tal atividade seria muito mais pertinente ao trabalho da escola do que os passeios que ela promove para a diversão de seus alunos.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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