São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 2005
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Saúde

Médicos e pacientes recorrem a terapias complementares para auxiliar no combate à infertilidade

Alternativa fértil

FLÁVIA MANTOVANI
MARCOS DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

O choro de um bebê à 1h01 do dia 31 de agosto do ano passado anunciava o fim de uma luta de quase três anos. O nome da criança dizia tudo: Victoria. Desde 2002, a fotógrafa Renata Rea Kneese, 32, tentava engravidar. Após se consultar com vários ginecologistas e fazer exames de trompa, útero e ovário, ela descobriu que tinha problemas na produção de hormônios. Os médicos que procurou indicaram a regulação hormonal à base de medicamentos, mas a fotógrafa optou por um tratamento alternativo, aliando ioga, acupuntura e terapia junguiana.
"Esse tipo de tratamento deve ser utilizado apenas como complemento aos métodos convencionais de fertilização ou no caso de casais jovens que tenham infertilidade de causa desconhecida", afirma o ginecologista e obstetra especialista em reprodução humana Arnaldo Schizzi Cambiaghi.
Cambiaghi está lançando o livro "Fertilidade Natural: De Volta ao Passado a Caminho do Futuro" (ed. LaVida Press, R$ 32, 139 págs.), escrito com a ginecologista e obstetra Daniella Spilborghs Castellotti. A publicação traz informações sobre tratamentos alternativos para fertilidade, além de inseri-los como complementos nos processos convencionais.
Como o subtítulo do livro sugere, o médico acredita numa tendência da medicina atual _não só nas áreas de reprodução_ que aponta para o que ele chama de "retorno às terapias de base". Isso significa valorizar os hábitos saudáveis, a alimentação e o uso de terapias ditas alternativas que propõem um entendimento mais integrado da saúde.
Segundo o médico, técnicas alternativas, como a acupuntura, podem ser usadas para tratar algumas desregulações hormonais até com exclusividade, como no caso da fotógrafa. "Toda essa parte hormonal tem relação direta com a questão mocional", afirma.
Antes de se tornar fotógrafa, Renata trabalhou por oito anos no mercado financeiro e disse que estava muito estressada quando começou a tentar engravidar. "A terapia hormonal corrige só uma coisa e, muitas vezes, o problema é na cabeça. A medicina alopática trata o paciente como um pedacinho e não como um ser inteiro", diz ela.
Mas isso não significa, de acordo com Cambiaghi, que todos os casos de alteração hormonal devam ser tratados dessa forma: "Cabe ao médico decidir com o paciente o melhor caminho. Temo que as pessoas usem isso como rotina. Há alterações de hormônios que podem ser causadas por um tumor na hipófise, por exemplo. Aí, não dá para tratar só com acupuntura".
No caso de mulheres com obstrução nas tubas uterinas (órgão entre o útero e o ovário, onde ocorre o encontro do óvulo com o espermatozóide), que não fabricam mais óvulos ou com qualquer alteração anatômica, como útero septado, o ginecologista afirma que as terapias alternativas devem ser usadas somente como complemento dos processos de fertilização convencionais. O mesmo serve para homens azoospérmicos (sem espermatozóides) ou com uma contagem muito baixa de espermatozóides e para aqueles que apresentam ejaculação retrógrada (quando o esperma vai para a bexiga na hora da ejaculação).
Muitos médicos desconfiam dos métodos alternativos e pedem cautela para que os pacientes não os utilizem como substitutos do tratamento convencional. É o caso do ginecologista Selmo Geber, membro do conselho consultivo da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. "A medicina tradicional, com a qual lidamos, é cartesiana. Para que acreditemos nas coisas, temos que ter muita comprovação científica. Quando sai disso, a tendência é que tenhamos um pouco de descrédito por não podermos provar", diz.
A clínica Origen, dirigida por Geber, tem um profissional de psicologia há oito anos, mas apenas para oferecer suporte emocional durante o processo. "O tratamento traz muita ansiedade, por isso é importante ter esse acompanhamento. Mas nenhum estudo até hoje conseguiu provar cientificamente que uma paciente que é menos ou mais ansiosa tenha maior ou menor chance de engravidar. A questão emocional não muda a taxa de gravidez", afirma.
Em relação à acupuntura, Geber diz que ele mesmo consulta um profissional da área para aliviar dores, mas que não há estudos que comprovem a atuação da técnica na fertilidade. Como exemplo, ele cita o caso de um casal de pacientes seus que quis diminuir a dose do remédio alopático e usar agulhas que iriam agir no ovário. "Fui contra. Ela usou um quinto da dose do medicamento e não funcionou", afirma.


A opção de tratamento feita por Renata tem ganhado adeptos entre médicos e pacientes, mas continua gerando controvérsia. Até que ponto o uso de terapias não convencionais pode ser encarado como uma nova ferramenta no combate à infertilidade?


No entanto, o médico lembra que existe uma faceta da reprodução assistida que não há como controlar. "Lidamos com o desconhecido. Chega uma hora em que o peso cai sobre a relação do útero com os embriões, que a gente desconhece. Quando já fizemos tudo o que podia ser feito com um casal e não deu certo, digo para eles rezarem, pois vale tudo."
Geber não chega a encaminhar os pacientes para terapias alternativas porque, segundo ele, "na indicação, já estaria implícito o peso da responsabilidade médica", mas os incentiva a fazer quando a iniciativa vem deles, desde que o tratamento alopático não seja prejudicado: "É aquela história do desconhecido: se a paciente ficar grávida e achar que foi a ioga e não a fertilização in vitro, não tem problema. O importante é que ela engravide".

ALTA TENSÃO

"Parecia que eu estava 24 horas por dia em TPM. A gente fica muito ansiosa. Mexe com o corpo, fiquei toda inchada", desabafa a arquiteta Sandra Adati, 39, sobre o tratamento que fez com hormônios para tentar engravidar. Desde os 27 anos, ela passou por diversos processos de reprodução assistida e conseguiu resultados somente depois de aliar a fertilização in vitro à acupuntura.
Um estudo publicado em 1993 no "Journal of Psychosomatic Obstetrics and Gynecology", nos Estados Unidos, comparou os sintomas psicológicos de mulheres que sofriam de infertilidade com os de pacientes com doenças crônicas. Os níveis de estresse e depressão medidos foram equivalentes aos de pessoas com câncer e de cardíacos em período de reabilitação.
Quem cita a pesquisa é a psicóloga norte-americana Gayle D. Crespy, que trabalha com um programa de infertilidade desenvolvido pelo Mind/Body Medical Institute, associado à Universidade Harvard.
"Mulheres com alto nível de depressão e estresse têm baixos níveis de fertilidade. E a depressão e o estresse são resultado da infertilidade. Isso cria um círculo vicioso", afirma a psicóloga, que inclui sessões de acupuntura e ioga no programa contra a infertilidade. Crespy acredita que nos últimos dez anos têm aumentado a procura e a pesquisa sobre esse tipo de tratamento nos Estados Unidos. Segundo ela, pacientes que apresentam infertilidade inexplicável são as mais beneficiadas por esse tipo de programa.
É o caso da professora de inglês Andressa Borges Fidelis, 26, que tenta engravidar desde dezembro de 2003. De acordo com os médicos, ela e seu marido não apresentam nenhum problema aparente. "Comecei a fazer acupuntura e pratico ioga há dois anos. Uso remédios homeopáticos há seis meses, receitados pelo meu próprio ginecologista", afirma a professora, que estabeleceu um prazo para os tratamentos alternativos. "Se não der certo até o final do mês, vamos partir para o tubo de ensaio mesmo", diz.
O ginecologista Dirceu Mendes Pereira, secretário executivo da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, também diz que os casos de infertilidade sem causa aparente são os mais indicados para a prescrição desses métodos. "O casal relaxa e otimiza as funções biológicas. A acupuntura, por exemplo, ajuda a controlar os casos de hipercontratividade (espasmos nas trompas) e melhora a circulação na pelve. Numa dessas, a mulher engravida."
No entanto, as terapias complementares já deram certo mesmo para pacientes de Pereira que apresentavam um diagnóstico preciso.
Foi o que aconteceu com a química Márcia do Carmo Flores, 32, que tinha uma endometriose grave. Ao longo de oito anos, ela tentou vários tratamentos: tomou altas dosagens de hormônios e fez três cirurgias, inseminação artificial e fertilização in vitro.
Quando começou o tratamento com Pereira, no início de 2004, todos os medicamentos foram abolidos e ela passou a se tratar apenas com acupuntura, terapia ortomolecular e orientação nutricional. "Quando comecei a sentir enjôos, achei que fosse problema de estômago. Vários médicos pelos quais passei disseram que eu não tinha a menor chance de engravidar", conta ela, que espera pelo nascimento de Matheus, programado para junho.
Acostumada a passar por várias intervenções agressivas que traziam "um monte de efeitos colaterais", ela desconfiou quando o ginecologista prescreveu apenas uma nova dieta, duas sessões semanais de acupuntura e algumas vitaminas. "Eu nunca tinha feito nada disso e estava com ‘os dois pés atrás’. Ele cortou o açúcar e a gordura, receitou arroz integral, iogurte natural e coalhada", relata ela, que ainda segue a dieta para não ganhar peso. Seu marido, que tinha problemas leves na produção de espermatozóides, também teve que mudar hábitos alimentares e tomar vitaminas. Em seis meses, veio o resultado positivo.
Dirceu Pereira trabalha há 20 anos com reprodução assistida e, há dez, usa essas técnicas na Profert, clínica que dirige em São Paulo. Além da acupuntura, da terapia ortomolecular e da orientação nutricional, o estabelecimento possui profissionais que trabalham com shiatsu, reflexologia e homeopatia.
De acordo com o ginecologista, algumas áreas ainda enfrentam preconceito dos médicos, mas o cenário está mudando. "A acupuntura e a homeopatia foram introduzidas nas universidades. A medicina ortomolecular enfrenta resistência, mas alguns de seus conceitos já estão sendo incorporados pelos médicos tradicionais."
Segundo ele, o ideal é que se pratique uma "medicina holística". "A medicina convencional nos dá um diagnóstico bastante firme. A medicina complementar existe há mais de 5.000 anos e, apesar de a forma como ela age ser um pouco misteriosa, sabemos que funciona. Não podemos prescindir nem de uma nem de outra. O ideal para o benefício do paciente é usar as duas", recomenda.


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