São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2007
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educação

Fábulas com as cores do arco-íris

Em projeto apoiado pelo governo, contos infantis com temática homossexual passam a integrar as atividades de 15 escolas primárias do Reino Unido; programa funciona em caráter experimental

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Eles se amavam e foram felizes para sempre. Mas antes tiveram que mandar as convenções sociais às favas e assumir sua homossexualidade. Para muitos, pode parecer estranho encontrar uma história assim na mesma estante de "Cinderela", mas para alunos de 15 escolas primárias britânicas é exatamente isso o que acontece diariamente, já que esse é apenas um entre tantos outros enredos que embalam suas leituras e atividades cotidianas.
Até 2008, contos como "King & King" (rei e rei) -que narra como um príncipe diz não a todas as suas pretendentes e decide se casar com outro príncipe- farão parte da rotina de crianças entre 4 e 11 anos, com o objetivo de combater a homofobia e criar "ambientes mais inclusivos" na rede de ensino, como explica à Folha Mark Jennett, profissional responsável pelo treinamento de professores na apresentação de conteúdos que tratem de diversidade sexual.
O projeto, intitulado "No Outsiders" (sem excluídos), funciona por enquanto em caráter experimental e é parte das diversas ações que o Reino Unido está implementando entre funcionários e colaboradores de repartições públicas, dentro do que batizou de Ato de Igualdade. Em vigor desde abril, a legislação determina que se eliminem práticas discriminatórias de toda espécie, seja de gênero, etnia, religião ou classe social.
Desenvolvido pela Universidade de Sunderland e com pesquisadores também das universidades de Londres e Exeter, o "No Outsiders" se ocupa de reformular diretrizes e conteúdos do ensino primário para que se extingam mecanismos de discriminação sexual. O projeto, que deve virar livro e documentário no próximo ano, tem patrocínio de 600 mil libras (cerca de R$ 2,3 milhões), pagas pelo Conselho de Pesquisa Social e Econômica -órgão financiado pela Agência de Ciência e Inovação do governo britânico-, e conta com o apoio do Sindicato Nacional de Professores e do Conselho Geral de Ensino.
No Brasil, o antropólogo Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, aplaude a iniciativa. "Não há como negar ou esconder essa realidade: de cada quatro famílias, uma tem um filho ou parente gay ou lésbica. No Ocidente, por volta de 10% da população masculina e 6% da população feminina é constituída por homens e mulheres predominantemente ou exclusivamente homossexuais. Hoje há certo consenso entre os estudiosos de psicologia infantil em situar entre cinco e seis anos a idade em que começa a se definir a orientação sexual do ser humano -e, se fosse possível isolar um bando de crianças de qualquer mensagem modeladora de seu papel de gênero, certamente haveria um número equilibrado entre homos, heteros e bissexuais."
No entanto, para o psicoterapeuta Içami Tiba, especialista em adolescência e relações familiares, a sociedade brasileira ainda não está preparada para um projeto semelhante. "É muito precoce. Entre meus pacientes, vejo que o ideal é dar uma mensagem que as pessoas possam ouvir. A gente tem de trabalhar com o remédio que elas agüentam. O maior problema do homossexual é sua própria família. É importante divulgar o resultado desses trabalhos, fazer com que a homossexualidade saia do noticiário e vire acontecimento comum."

Pato herói
Além da leitura dos contos, as escolas britânicas promovem atividades de música e educação artística com base nos textos e organizam debates entre pais e alunos, para que apresentem suas diferentes conformações familiares.
"Tenho acompanhado as equipes da maioria dos lugares envolvidos no projeto, e os professores vêm descobrindo que as perguntas dos alunos mais jovens sobre relacionamentos homossexuais são muito parecidas com aquelas feitas sobre heterossexuais. Os leitores de 'King & King', por exemplo, se preocupam em saber se as princesas ficaram tristes em não serem escolhidas. Raramente as perguntas tratam de atividade sexual", diz Jennett.
Quase três dezenas de títulos compõem a lista de textos recomendados pelo projeto. Entre os favoritos estão, além de "King & King", da dupla holandesa Linda de Haan (escritora) e Stern Nijland (ilustradora), contos como "The Sissy Duckling" (o patinho afeminado) e "And Tango Makes Three" (alusão ao provérbio popular inglês "it takes two to tango" -são necessários dois para o tango-, versão anglo-saxônica do brasileiro "quando um não quer, dois não brigam").
Premiado pela Sociedade Americana de Prevenção à Crueldade contra Animais, "And Tango Makes Three" narra a história verídica de dois inseparáveis pingüins machos do zoológico do Central Park que criam Tango, filhote nascido de um ovo abandonado, após -como qualquer outro casal convencional de sua espécie- os dois haverem se revezado em incubá-lo por semanas a fio. Indicado para crianças de quatro a oito anos, o livro foi escrito por Justin Richard, professor de psiquiatria da Universidade Columbia, e pelo dramaturgo Peter Parnell (co-produtor da série de TV "The West Wing").
"The Sissy Duckling", do ator e roteirista Harvey Fierstein, conta com o mesmo ilustrador de "And Tango Makes Three", Henry Cole. No livro, um patinho que gosta de artes e de cozinhar salva seu pai da morte durante o inverno. A história é a base de inspiração para uma ópera que está sendo montada por crianças britânicas do "Ano 3" (série a que chegam aos sete anos).

Pais e filhos
As escolas foram selecionadas para o "No Outsiders" tendo em vista sua representatividade. Foram incluídos estabelecimentos grandes e pequenos, em funcionamento em ambientes rurais e urbanos. A aceitação dos alunos tem sido boa, de acordo com Jennett, e "a maioria dos pais" tem reagido de modo "extremamente positivo".
Outro objetivo do "No Outsiders" é familiarizar as crianças com o mundo no qual estão. "Os professores reconhecem a necessidade de oferecer imagens positivas de relacionamentos homossexuais porque, por exemplo, eles têm alunos com pais do mesmo sexo ou andam preocupados com os comentários homofóbicos das crianças. Muitos estavam sem saber como lidar com isso e agora têm a oportunidade de conversar sobre esses temas dentro do contexto de outras discussões sobre relacionamentos, famílias e diferenças", diz Jennett. No Reino Unido, o casamento homossexual foi legalizado em 2005.
"Os países mais civilizados, onde gays, lésbicas e travestis são respeitados como cidadãos, dão o exemplo de que é melhor conviver e respeitar a pluralidade do que marginalizar as 'minorias'", afirma Mott.

[...] Além da leitura, as escolas britânicas promovem atividades de música e artes com base nos textos


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