São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2007
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SAÚDE

Coquetel polêmico

Pesquisa relaciona uso de polivitamínicos ao aumento do risco de câncer de próstata, e médicos apontam os problemas do uso indiscriminado desses compostos

Caio Guatelli/Folha Imagem
Fabiana Regina da Silva, que toma polivitamínico para prevenir doenças e o envelhecimento precoce


IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O empresário Carlos Alberto Martins, 43, pratica atividades físicas diariamente, tem uma alimentação balanceada e faz check-up a cada seis meses. No último exame, queixou-se de um certo cansaço ao médico, que lhe receitou suplementos alimentares, incluindo algumas vitaminas.
A receita está funcionando, garante Martins. "Estou menos estressado. Minha vida é corrida, e meus treinos são puxados. O corpo sente a falta das vitaminas", acredita. O empresário não tem certeza se o que está tomando é ou não um polivitamínico (composto que inclui todas as vitaminas). "Faz bem para a saúde, previne doenças. Vou tomando e nem pergunto o que é", diz.
Na verdade, a suplementação receitada a Martins inclui apenas as vitaminas B e C. Melhor para ele. Os polivitamínicos, vistos com restrição por muitos médicos, agora são alvo de uma suspeita grave. Um braço de um grande estudo coordenado pelos NIH (institutos nacionais de saúde, na sigla em inglês), dos EUA, observou a relação entre o alto consumo desse tipo de suplemento e o aumento do risco de câncer de próstata.
Globalmente, o estudo dos NIH acompanha, há cinco anos, a dieta e a saúde de quase 300 mil homens. Entre outras descobertas, constatou-se que aqueles que consumiam polivitamínicos em excesso (mais de sete vezes por semana) tinham o dobro de chance de desenvolver câncer de próstata fatal do que os que nunca tomaram esses suplementos. Essas conclusões foram publicadas na última edição do jornal do NCI (instituto nacional do câncer, em inglês), dos Estados Unidos.
A questão é bastante controversa, segundo Valdemiro Carlos Sgarbieri, professor de ciências de alimentos e nutrição da faculdade de engenharia de alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Mas Sgarbieri acredita que, ao fazer a suplementação quando não há necessidade, a pessoa "corre riscos, não apenas o de câncer de próstata". Entre os perigos, há o da intoxicação por excesso de algumas vitaminas.
"O problema é que 'excesso' também é controverso, depende da fisiologia e do estado de saúde de cada indivíduo. Como dizia Paracelso [médico e físico do século 16], o que difere o veneno do remédio é a dosagem adequada."
Aristóteles Wisnescky, chefe do serviço de urologia do Hospital do Câncer do Inca (Instituto Nacional do Câncer) do Rio de Janeiro, conta que, embora algumas pesquisas tenham indicado uma ação preventiva das vitaminas C, D e E, outras apontaram que a vitamina A pode aumentar a incidência do câncer de próstata. Como o polivitamínico junta tudo no mesmo comprimido, "tomá-lo por conta própria não é o melhor caminho".
Para Wellington Oliveira, clínico-geral do Instituto Brasileiro de Medicina Estética e Vascular, cada candidato à suplementação deve ser avaliado, para saber quais doses e quais vitaminas são necessárias. Hábitos alimentares e de vida são alguns dos indicadores comumente usados para essa avaliação. Na dúvida, é possível fazer a dosagem de vitaminas por meio de exames de sangue.

Terreno nebuloso
O que leva muita gente a buscar suplementação, não raro por conta própria, já que os polivitamínicos podem ser comprados sem receita, é a crença de que quanto mais vitaminas, maior a proteção contra doenças e envelhecimento. Mas muitas hipóteses sobre o poder das vitaminas ainda permanecem nebulosas. "Até a idéia de que a vitamina C protege contra gripe não foi comprovada cientificamente", diz o endocrinologista Ricardo Hauy Marum, presidente do Instituto Brasileiro de Educação Nutricional.
Nesse terreno nebuloso, muitas pesquisas vêm mais para confundir do que para esclarecer. "Surge um estudo dizendo que o betacaroteno [precursor da vitamina A] predispõe ao câncer de pulmão e outro dizendo exatamente o contrário. Não há consenso", esclarece Marum. A primeira pergunta é: se tomarmos quantidades maiores de vitaminas estaremos mais protegidos? "Ninguém sabe", afirma o endocrinologista.
A segunda questão é saber se corremos riscos importantes, como o de desenvolver algum câncer. "Esse tipo de estudo precisa ser visto com um olhar muito crítico. Não conhecemos todas as variáveis envolvidas na pesquisa nem todos os componentes dos polivitamínicos utilizados", pondera Paulo Olzon, chefe da disciplina de clínica médica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Efeito antioxidante
O que é claro, para Olzon, é que polivitamínicos não são a melhor opção para a suplementação prolongada. "Esses compostos misturam de tudo, e há alguns elementos que não deveriam ser usados." Além do risco de intoxicação ou de doença, o excesso de certas substâncias acaba gerando o efeito oposto ao desejado. "O ferro, por exemplo, é um mineral muito importante, mas, ingerido além do limite provoca duas reações orgânicas geradoras de um radical livre chamado hidroxina, que é um dos piores agentes oxidantes."
É mais um problema, porque um dos motivos que leva pessoas saudáveis a consumir polivitamínicos é o seu efeito antioxidante e a idéia de que isso é uma forma de prolongar a juventude e beneficiar o organismo. A personal trainer Fabiana Regina Cristiane da Silva, 27, conta que toma diariamente um complexo vitamínico. "De A a Z. É um pacote com tudo, já vem pronto e nem precisa de receita para comprar.
Afinal, são vitaminas, não há nada contra-indicado", acredita. Embora esbanje saúde, ela faz a suplementação há três anos, principalmente para prevenção de doenças e envelhecimento precoce, e afirma que isso trouxe melhoras notáveis na aparência da pele e na sua performance física. "Sei que posso encontrar todos esses nutrientes nos alimentos, mas com o suplemento garanto não só a quantidade necessária como também um 'extra' para ter um efeito preventivo."
Infelizmente, para Fabiana, esse uso das vitaminas ainda é polêmico. Outro estudo recente, realizado pela Universidade de Copenhague (Dinamarca), sugere que algumas vitaminas antioxidantes (A, E e betacaroteno) foram responsáveis pela diminuição da expectativa de vida de seus usuários. Os pesquisadores acreditam que o estudo é mais uma comprovação da tese de que uma alimentação saudável e balanceada é melhor do que a suplementação.
Mas as coisas não são tão simples assim. Como explica o nutrólogo Silvio Laganá de Andrade, diretor da Fapes (Fundação de Apoio a Pesquisa e Estudos na Área de Saúde), é possível ter uma dieta correta, para prevenir doenças carenciais, mas uma dieta ótima é mais difícil de se alcançar.
"Há muitos fatores que não podemos controlar. Por exemplo, a qualidade pobre do solo faz com que a presença de alguns minerais seja muito baixa nos alimentos produzidos. O processo de refinação também afeta as propriedades nutricionais da comida. E condições como a poluição atmosférica, que aumentam a oxidação das células, exigem quantidades maiores de fatores antioxidantes", diz Laganá.
Ele acrescenta que histórico familiar, características individuais e hábitos como fumar e consumir freqüentemente álcool também podem criar a necessidade de uma reposição maior de vitaminas do que a possível de se obter apenas por meio de alimentos. Mas também discorda de uma suplementação "às cegas", sem a pessoa saber direito o que e quanto está tomando. E isso não diz respeito apenas aos compostos prontos. "Algumas vitaminas e sais minerais competem entre si ou favorecem a absorção uns dos outros. Por isso é importante definir bem as necessidades individuais e as dosagens."

[...] Muitas hipóteses sobre o poder das vitaminas ainda permanecem nebulosas


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