São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2007
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Rosely Sayão

Preconceito de gênero

Não acompanho esporte nenhum por pura falta de gosto. Conheço os mais populares no Brasil e, de vez em quando, assisto a um ou outro jogo pela televisão e só. Mas, ultimamente, acompanho com verdadeiro interesse o episódio ocorrido com a bandeirinha Ana Paula Oliveira. Pelo que li, ela errou na arbitragem de um jogo de futebol importante, e isso rendeu penalidade e mil e um comentários.
Minha atenção foi fisgada pelo fato de o erro dela ter estimulado muitos comentários machistas, ou seja, formulados apenas pelo fato de ela ser uma mulher que exerce uma atividade dominada pela presença masculina. E não foram apenas os diretamente envolvidos que emitiram tais comentários: em blogs de esporte, muitos textos dos internautas também estão impregnados de machismo.
Talvez esse seja um bom momento para pensarmos a respeito de aspectos da educação que não relevamos, principalmente em relação aos meninos.
Como a sociedade se concebeu centrada no homem, não nos damos conta de que desenvolvemos relações bem diferentes com os meninos e com as meninas. Pais com filhos dos dois sexos perceberão que fazem diferenças. Essas diferenças podem ocorrer, por exemplo, quando são enfatizadas características que eles esperam ver mais desenvolvidas nas meninas e outras nos meninos.
Já passamos do tempo em que tratar meninas e meninos de modo igual era considerado solução para os preconceitos.
Não podemos negar as diferenças nem o modo já estabelecido de pensar. Precisamos construir a consciência crítica dos preconceitos e ensinar, sobretudo, o respeito dos meninos -futuros homens- pelas meninas, mulheres de amanhã.
Quem trabalha em escola sabe o quanto os meninos desrespeitam as meninas em comentários e brincadeiras. Claro que eles fazem isso entre eles também, mas, quando o alvo são as meninas, o conteúdo ofensivo é, em geral, fruto do preconceito de gênero. E as escolas não costumam levar a sério a questão -são raras as que discutem sistematicamente os estereótipos de gênero.
Um hábito chama a atenção: as meninas são educadas para demonstrar carinho, sensibilidade, receptividade e simpatia, como se fossem atributos essencialmente femininos. Creio que muitos consideram que deve ser assim, mas isso é fruto da passagem, de geração em geração, do preconceito de gênero.
A sociedade tem se transformado tão intensa e rapidamente que não sabemos mais o que é ser homem e o que é ser mulher: a (re)construção desses papéis sociais está em plena fase de transição. Mesmo assim persiste nosso sexismo, por isso as ocorrências em torno do evento com Ana Paula Oliveira devem servir de alerta para os que educam as próximas gerações. É preciso também ensinar aos meninos que respeitem as meninas, mesmo e principalmente nas situações de conflito e na crítica dos erros cometidos por elas. Assim, teremos a chance de que as próximas gerações enfrentem menos preconceitos contra as mulheres e que as diferenças de gênero possam ser encaradas como valor em vez de serem julgadas.

[...] Já passamos do tempo em que tratar meninas e meninos de modo igual era considerado solução


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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