|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Rosely Sayão
Preconceito de gênero
Não acompanho esporte nenhum por
pura falta de gosto.
Conheço os mais populares no Brasil e, de vez em
quando, assisto a um ou outro
jogo pela televisão e só. Mas, ultimamente, acompanho com
verdadeiro interesse o episódio
ocorrido com a bandeirinha
Ana Paula Oliveira. Pelo que li,
ela errou na arbitragem de um
jogo de futebol importante, e
isso rendeu penalidade e mil e
um comentários.
Minha atenção foi fisgada pelo fato de o erro dela ter estimulado muitos comentários machistas, ou seja, formulados
apenas pelo fato de ela ser uma
mulher que exerce uma atividade dominada pela presença
masculina. E não foram apenas
os diretamente envolvidos que
emitiram tais comentários: em
blogs de esporte, muitos textos
dos internautas também estão
impregnados de machismo.
Talvez esse seja um bom momento para pensarmos a respeito de aspectos da educação
que não relevamos, principalmente em relação aos meninos.
Como a sociedade se concebeu centrada no homem, não
nos damos conta de que desenvolvemos relações bem diferentes com os meninos e com
as meninas. Pais com filhos dos
dois sexos perceberão que fazem diferenças. Essas diferenças podem ocorrer, por exemplo, quando são enfatizadas características que eles esperam
ver mais desenvolvidas nas meninas e outras nos meninos.
Já passamos do tempo em
que tratar meninas e meninos
de modo igual era considerado
solução para os preconceitos.
Não podemos negar as diferenças nem o modo já estabelecido
de pensar. Precisamos construir a consciência crítica dos
preconceitos e ensinar, sobretudo, o respeito dos meninos
-futuros homens- pelas meninas, mulheres de amanhã.
Quem trabalha em escola sabe o quanto os meninos desrespeitam as meninas em comentários e brincadeiras. Claro que
eles fazem isso entre eles também, mas, quando o alvo são as
meninas, o conteúdo ofensivo
é, em geral, fruto do preconceito de gênero. E as escolas não
costumam levar a sério a questão -são raras as que discutem
sistematicamente os estereótipos de gênero.
Um hábito chama a atenção:
as meninas são educadas para
demonstrar carinho, sensibilidade, receptividade e simpatia,
como se fossem atributos essencialmente femininos. Creio
que muitos consideram que deve ser assim, mas isso é fruto da
passagem, de geração em geração, do preconceito de gênero.
A sociedade tem se transformado tão intensa e rapidamente que não sabemos mais o que
é ser homem e o que é ser mulher: a (re)construção desses
papéis sociais está em plena fase de transição. Mesmo assim
persiste nosso sexismo, por isso as ocorrências em torno do
evento com Ana Paula Oliveira
devem servir de alerta para os
que educam as próximas gerações. É preciso também ensinar aos meninos que respeitem
as meninas, mesmo e principalmente nas situações de conflito
e na crítica dos erros cometidos
por elas. Assim, teremos a
chance de que as próximas gerações enfrentem menos preconceitos contra as mulheres e
que as diferenças de gênero
possam ser encaradas como valor em vez de serem julgadas.
[...] Já passamos do tempo em que tratar meninas e meninos
de modo igual era
considerado solução
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
Texto Anterior: Estudantes com ansiedade Próximo Texto: Bate-papo Índice
|