São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 2011
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OUTRAS IDEIAS

MICHAEL KEPP mkepp@terra.com.br

Palcos e papéis


Interpretar minha versão teatral pede roteiro e ensaios, artifícios que meu "eu" não teatral dispensa


As pessoas são menos autênticas diante de uma plateia porque o palco requer que interpretem um papel. No lançamento de minha primeira coletânea de crônicas, "Sonhando com Sotaque", em 2003, o palco era a mesa na qual autografava o livro para uma fila de convidados, minha plateia.
Meu papel: promover um produto e um protagonista, "eu" no passado, já que a maioria daqueles ensaios datava de antes de 2000.
O escritor Ian McEwan diz que lançar um livro significa "se tornar representante de quem você foi no passado".
Em novembro de 2010, produzi e estrelei uma peça baseada nas crônicas que estava escrevendo para "Tropeços nos Trópicos", meu segundo livro. Interpretar minha versão teatral requeria roteiro, ensaios, entradas e saídas coreografadas e a presença de palco necessária para prender a plateia por 80 minutos, artifícios de que meu "eu" não teatral não precisa.
Ainda que representar a si mesmo no palco não seja uma revelação da identidade pessoal, é um processo indissociável disso.
O guitarrista dos Rolling Stones Keith Richards disse: "Não consigo distinguir entre mim e o papel escrito para mim, que interpreto o tempo todo: o anel de caveira, o dente quebrado, a sombra escura nos olhos. A pressão por ser aquela pessoa é tamanha que você se transforma nela, até o ponto suportável". Para alguns, estar no palco é um prazer; para outros, é um peso. Samuel Clemens se tornou o escritor Mark Twain ao caminhar por Manhattan aos domingos usando seu característico terno branco, tirando o chapéu para as mulheres.
Depois que Mario Vargas Llosa ganhou o Nobel de Literatura, em 2010, disse: "A impressão que tenho desde que recebi o prêmio é de não ser eu mesmo, de estar representando um papel que não escolhi. É preciso fazer uma cara boa e não me queixar, porque estou contente".
Casamentos que envolvem ensaios, roteiros e grandes cenários transformam pessoas em personagens de conto de fadas. Vide as recentes núpcias do casal real inglês.
O lançamento de "Tropeços nos Trópicos" será uma apresentação em menor escala. Meu "eu" teatral fará um "pocket show" da peça baseada em minha nova coletânea. Em seguida, meu "eu" literário iniciará a sessão de autógrafos. E só quando o evento acabar, meu "eu" mais autêntico, o "eu" sem palco, ressurgirá.

 

O livro "Tropeços nos Trópicos "" Crônicas de um gringo brasileiro" (ed. Record) será lançado em São Paulo no dia 7 de junho, no Museu da Imagem e do Som (av. Europa, 158), às 19h30.

MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)



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