São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 2011
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MARION MINERBO

Reinventar a família


A crise das instituições dá liberdade para que cada um descubra seu caminho, mas essa é uma tarefa exaustiva


Almoço de domingo num restaurante em Higienópolis. Numa mesa, quatro sexagenárias com suas pérolas e laquê no cabelo. Em outras, casais e famílias. Levou tempo para que eu visse o casal de gays. Não porque estivessem escondidos. Ao contrário, era uma mesa em evidência.
Dois rapazes bonitos, musculosos, tatuados. E um carrinho de bebê. Um deles cuidava do filho. Mostrou-o com orgulho para outro casal. Na calçada, um amigo que chegava fez "festinha" nele.
Essas cenas seriam impossíveis algum tempo atrás. O que mudou? As instituições. Elas encarnam o espírito de uma época e determinam as maneiras possíveis e desejáveis de sentir, pensar e agir.
Há momentos em que elas estão sólidas e ditam o certo e o errado. A vantagem disso é que as referências que constituem nossa identidade são claras. Dá segurança.
A desvantagem é que há poucas maneiras de viver que são consideradas legítimas. Quem não cabe no modelo se sente fracassado, envergonhado e culpado por não corresponder a esses ideais.
Hoje, as instituições estão em crise. As pessoas não acreditam mais que haja só um ou dois jeitos certos de viver. A vantagem é que novas maneiras de pensar, sentir e agir se tornam possíveis. Há liberdade para descobrir o próprio caminho.
A desvantagem é que encontrar o próprio caminho sem a ajuda das instituições é uma tarefa difícil, solitária e exaustiva. Cada um tem de propor o que acha certo e errado. É preciso reinventar-se o tempo todo.
Quem não consegue se sente inseguro, sem chão e sem rumo. A existência fica vazia e sem sentido. Sem projeto de vida, as pessoas sentem angústia e tédio ""que confundem com depressão.
Cada um se defende como pode. Uns se agarram às instituições tradicionais. Outros recorrem a antidepressivos. Muita gente desenvolve comportamentos compulsivos: consumir, malhar, fazer sexo, se drogar, comer, emagrecer.
Ou passam horas nas redes sociais, na esperança de aliviar o sentimento crônico de desamparo e solidão. A angústia e o tédio cedem enquanto se está ocupado; logo, o mal-estar está de volta.
O casal gay do restaurante conseguiu algo difícil e, para eles, necessário. Juntaram duas coisas que pareciam ""e eram!"" incompatíveis: o conforto emocional da família tradicional, com sua divisão de papéis, e a parceria amorosa homossexual. Criaram uma forma de vida sob medida para eles. Reinventaram a família. Que sejam felizes!

MARION MINERBO, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Neurose e Não-Neurose" (Casa do Psicólogo)



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