|
Próximo Texto | Índice
Outras idéias
Michael Kepp
Adoecer no Brasil
Adoecer deixa a pessoa
em desvantagem, ainda mais num país estrangeiro. O Brasil
compensa o prejuízo com a boa
vontade do povo na hora de ajudar desconhecidos. Sua natureza afetuosa, produto de uma generosidade "sui generis", é uma
descoberta que muitos gringos
fizeram antes de mim.
Em 1951, a poeta americana
Elizabeth Bishop chegou sozinha a Santos, onde ficou gravemente doente por causa de
alergia a caju. Lota de Macedo
Soares, uma aristocrata carioca
que Bishop mal conhecia, a
convidou para se recuperar em
sua casa de Petrópolis e passou
meses cuidando de sua reabilitação. As duas se apaixonaram
e ficaram juntas por 16 anos.
"Ficar doente no Brasil é outra coisa!", Bishop disse à amiga
americana e médica Anny Baumann. Soares também ajudou
Bishop a se tratar de alcoolismo, asma e depressão crônica.
Em uma carta a Baumann, ela
diz que aqueles cuidados a faziam sentir que "morrera e fora
para o céu sem merecer".
Eu também me sinto assim
aqui. Uma vez, em Recife, uma
crise estomacal transformou
minha barriga numa bola gigante. Já que um amigo carioca
me dera o nome de um médico
lá, liguei para perguntar que remédio ele me prescreveria. Ele
ignorou meus pedidos para que
não viesse me examinar, diagnosticou uma gastrite grave e
dirigiu até a farmácia para comprar o remédio. Só depois descobri que aquele estranho saíra
da própria festa de aniversário
para me atender.
Em estradas brasileiras, um
verdadeiro exército da salvação
também resgatava meu parceiro, um Fusca 1970, recarregando suas baterias e religando o
motor. E os "soldados" se recusavam a receber. Uma vez, o
carro de um amigo quebrou, e o
mecânico que o rebocou até a
oficina emprestou o próprio
carro para que não se atrasasse
para um compromisso a 80 km.
Agentes de viagem brasileiros também se desdobram para
ajudar. Ao saber que fiquei com
fortes dores lombares por causa de um colchão mole no início de uma viagem de 20 dias
pelo sertão, uma agente de viagem reservou, nas pousadas seguintes, quartos com colchões
ortopédicos. No ano passado,
outra agente de viagem carioca
se assegurou de que minha
pousada em Cuzco tivesse tanques de oxigênio e pediu a um
amigo que me visitasse para ter
certeza de que eu estava bem.
Agentes de viagem americanos ficam anos-luz atrás em
atenção porque nunca ultrapassam a linha entre o serviço
profissional e o personalizado,
que exige tempo. Só numa sociedade que valoriza menos o
tempo se encontram os cuidados que fizeram Bishop ficar
tantos anos e me convenceram
a nunca mais partir.
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 24 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e
Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
Próximo Texto: Pergunte aqui Índice
|