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entrevista
Informação médica na rede
Pesquisadora diz que a internet pode mudar relação entre médicos e pacientes, tornando-a menos assimétrica
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Acesso às mais recentes pesquisas científicas, informações em
tempo real sobre congressos e cursos de atualização,
marcação on-line de consultas.
Por essas e outras, a internet
vem facilitando a vida de muitos profissionais de saúde. Mas
a popularização dessa tecnologia também tem obrigado os especialistas a se adaptarem a um
novo perfil de paciente: aquele
que já chega ao consultório munido de informações sobre seus
sintomas, que compara o diagnóstico recebido com outros
casos da literatura e que pesquisa os mais novos recursos
usados para tratar sua doença.
Para a pesquisadora Wilma
Madeira, do Instituto Florestan Fernandes, esse fenômeno
pode provocar mudanças na relação entre médicos e pacientes, tornando-a menos assimétrica. Em seu mestrado recém-defendido na Faculdade de
Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), ela entrevistou 116 internautas. "Verifiquei que alguns já usam as informações não apenas para se
preparar para fazer perguntas
mas também para discutir o
tratamento com o médico", disse Madeira à Folha.
FOLHA - De que maneira a internet
vem mudando a relação entre médicos e pacientes?
WILMA MADEIRA - A internet tem
permitido que os pacientes
acessem informações que até
então eram acessíveis apenas
aos médicos. De posse dessas
informações técnico-científicas, eles se capacitam para interagir melhor com o médico,
conseguem dialogar mais, fazer
perguntas e entender com mais
clareza o diagnóstico.
FOLHA - No seu trabalho, você diz
que essa relação é mais assimétrica
na América Latina.
MADEIRA - Sim, principalmente
em comparação com países como os Estados Unidos e o Canadá. No Brasil, essa relação
tende a ser mais paternalista. O
médico não apresenta mais de
uma alternativa de tratamento.
Muitas vezes, não se estabelece
um diálogo entre os dois.
FOLHA - O fato de o médico estudar muitos anos para exercer essa
atividade não lhe dá naturalmente
mais poder nessa relação?
MADEIRA - Essa é uma questão
delicada. O profissional de saúde aprende sobre seu objeto de
estudo por vários anos e adquire um conhecimento muito
bom sobre ele. Só que esse objeto é o corpo de um ser humano.
E quem sente o que ocorre nesse corpo é o indivíduo que é dono dele. Além disso, os referenciais teórico e prático do médico não dizem respeito especificamente àquele indivíduo: trata-se de uma média. Por isso,
não dá para dizer que a decisão
deve ser só do cientista. Também não pode ser só do paciente, até porque ele não tem a formação e a prática necessárias
para extrapolar o que aprende
na internet. Não acredito que a
internet substitua o médico, ela
apenas possibilita a busca por
um reequilíbrio na relação entre ele e o paciente.
FOLHA - Como os médicos têm reagido diante desse paciente mais
bem informado?
MADEIRA - Abordei o tema sob a
perspectiva dos pacientes. Alguns disseram que a reação dos
médicos era indiferente. Outros disseram que era positiva.
Mas a maioria (55,9%) disse
que foi negativa, que o médico
não gosta que o paciente tenha
essas informações.
FOLHA - O que as pessoas buscam
ao acessar informações sobre saúde
na internet?
MADEIRA - Em primeiro lugar,
elas querem se sentir donas da
própria saúde: acessam dados
sobre suas doenças e tratamentos e trocam idéias com grupos
que têm problemas semelhantes. Uma pessoa que descobre
que tem diabetes, por exemplo,
pode aprender a lidar com isso
com outra que já convive com a
doença há 20 anos. As entrevistas também mostram que os internautas se informam em busca de subsídios para questionar
o médico durante a consulta.
Além disso, muitos deles alegaram a facilidade do meio: disseram considerar mais prático
acessar a rede do que perguntar
ao especialista em consultas
com tempo limitado.
FOLHA - A busca por informações
de saúde se traduz em uma real interação entre médico e paciente?
MADEIRA - Verifiquei que alguns entrevistados já usam as
informações sobre saúde não
apenas para se preparar para
fazer perguntas mas também
para discutir o tratamento com
o médico. Trata-se de uma busca por autonomia. Nesse caso,
os dois escolhem conjuntamente que caminho seguir.
Mas não dá para dizer que isso
acontece com a maioria das
pessoas. Na pesquisa, fiz uma
escala que abrangia desde
quem não participa nada até
quem participa realmente do
processo de decisão. A maioria
dos internautas fica no meio do
caminho. Mas imaginamos que
a tendência seja de que eles
passem a participar mais do
processo de decisão. Isso não
ocorrerá em pouco tempo, até
porque ainda há muitos excluídos digitais no país.
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