São Paulo, quinta-feira, 31 de agosto de 2006
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entrevista

Informação médica na rede

Pesquisadora diz que a internet pode mudar relação entre médicos e pacientes, tornando-a menos assimétrica

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Acesso às mais recentes pesquisas científicas, informações em tempo real sobre congressos e cursos de atualização, marcação on-line de consultas.
Por essas e outras, a internet vem facilitando a vida de muitos profissionais de saúde. Mas a popularização dessa tecnologia também tem obrigado os especialistas a se adaptarem a um novo perfil de paciente: aquele que já chega ao consultório munido de informações sobre seus sintomas, que compara o diagnóstico recebido com outros casos da literatura e que pesquisa os mais novos recursos usados para tratar sua doença.
Para a pesquisadora Wilma Madeira, do Instituto Florestan Fernandes, esse fenômeno pode provocar mudanças na relação entre médicos e pacientes, tornando-a menos assimétrica. Em seu mestrado recém-defendido na Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), ela entrevistou 116 internautas. "Verifiquei que alguns já usam as informações não apenas para se preparar para fazer perguntas mas também para discutir o tratamento com o médico", disse Madeira à Folha.

FOLHA - De que maneira a internet vem mudando a relação entre médicos e pacientes?
WILMA MADEIRA -
A internet tem permitido que os pacientes acessem informações que até então eram acessíveis apenas aos médicos. De posse dessas informações técnico-científicas, eles se capacitam para interagir melhor com o médico, conseguem dialogar mais, fazer perguntas e entender com mais clareza o diagnóstico.

FOLHA - No seu trabalho, você diz que essa relação é mais assimétrica na América Latina.
MADEIRA -
Sim, principalmente em comparação com países como os Estados Unidos e o Canadá. No Brasil, essa relação tende a ser mais paternalista. O médico não apresenta mais de uma alternativa de tratamento. Muitas vezes, não se estabelece um diálogo entre os dois.

FOLHA - O fato de o médico estudar muitos anos para exercer essa atividade não lhe dá naturalmente mais poder nessa relação?
MADEIRA -
Essa é uma questão delicada. O profissional de saúde aprende sobre seu objeto de estudo por vários anos e adquire um conhecimento muito bom sobre ele. Só que esse objeto é o corpo de um ser humano. E quem sente o que ocorre nesse corpo é o indivíduo que é dono dele. Além disso, os referenciais teórico e prático do médico não dizem respeito especificamente àquele indivíduo: trata-se de uma média. Por isso, não dá para dizer que a decisão deve ser só do cientista. Também não pode ser só do paciente, até porque ele não tem a formação e a prática necessárias para extrapolar o que aprende na internet. Não acredito que a internet substitua o médico, ela apenas possibilita a busca por um reequilíbrio na relação entre ele e o paciente.

FOLHA - Como os médicos têm reagido diante desse paciente mais bem informado?
MADEIRA -
Abordei o tema sob a perspectiva dos pacientes. Alguns disseram que a reação dos médicos era indiferente. Outros disseram que era positiva. Mas a maioria (55,9%) disse que foi negativa, que o médico não gosta que o paciente tenha essas informações.

FOLHA - O que as pessoas buscam ao acessar informações sobre saúde na internet?
MADEIRA -
Em primeiro lugar, elas querem se sentir donas da própria saúde: acessam dados sobre suas doenças e tratamentos e trocam idéias com grupos que têm problemas semelhantes. Uma pessoa que descobre que tem diabetes, por exemplo, pode aprender a lidar com isso com outra que já convive com a doença há 20 anos. As entrevistas também mostram que os internautas se informam em busca de subsídios para questionar o médico durante a consulta. Além disso, muitos deles alegaram a facilidade do meio: disseram considerar mais prático acessar a rede do que perguntar ao especialista em consultas com tempo limitado.

FOLHA - A busca por informações de saúde se traduz em uma real interação entre médico e paciente?
MADEIRA -
Verifiquei que alguns entrevistados já usam as informações sobre saúde não apenas para se preparar para fazer perguntas mas também para discutir o tratamento com o médico. Trata-se de uma busca por autonomia. Nesse caso, os dois escolhem conjuntamente que caminho seguir. Mas não dá para dizer que isso acontece com a maioria das pessoas. Na pesquisa, fiz uma escala que abrangia desde quem não participa nada até quem participa realmente do processo de decisão. A maioria dos internautas fica no meio do caminho. Mas imaginamos que a tendência seja de que eles passem a participar mais do processo de decisão. Isso não ocorrerá em pouco tempo, até porque ainda há muitos excluídos digitais no país.


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