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Ler é o remédio
Atire o primeiro livro quem nunca buscou literatura para a afta, a cólica, o cabelo estragado, o mau-humor ou o excesso de peso
Silvia Zamboni/Folhapress
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A dona de casa Cristina Nagao, fã da autoajuda saudável |
MARIANNE PIEMONTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Começo o dia com a "bebida de Jafé", mix de frutas, iogurte e farinha de linhaça
que, diz o livro "A dieta de Jesus" (Planeta, 144 págs.,
R$ 19,90), é antioxidante.
Tento preparar um lanche
para levar ao trabalho, algo
que melhore o humor e deixe
a cintura fina, como orienta o
"Coma e Seja Feliz" (Thomas
Nelson Brasil, 320 págs., R$
34,90). Duas colheres de abacate amassado, 1/4 de xícara
de alfafa, 1 fatia de cebola e...
já estou estressadíssima. Alguém tem toda aquela lista
na geladeira ou tempo para
picar tudo antes do batente?
Para ter humor, cintura e ser
feliz, cozinheira é essencial.
No almoço, folheio outro
livro saudável, o "Manual do
Proprietário" (Delphos/Aguiar, 224 págs., R$ 45). Que
prega guardar um dia por semana só para líquidos, nada
de mastigar. Tarde demais.
Decido tentar "Mulheres,
Comida & Deus"(Lua de Papel, 192 págs., R$ 27,90), já
que a autora costuma levar
pacientes a retiros espirituais
que pregam a não-dieta.
Mas há regras também na
não-dieta, descubro, saudosa do tempo em que bomba
de chocolate era só bomba de
chocolate, não frustração,
como afirma um capítulo.
Difícil ser "Magra e Poderosa" (Audiolivro, 5 horas,
R$ 24,90), como nos querem
Rory Freedman e Kim Barnouin. As duas americanas
tinham péssimos hábitos alimentares até que se conheceram numa agência de talentos (aqui é de empregos, mesmo), estudaram "nutrição
holística" e lançaram o título
que está entre os best-sellers
do "New York Times".
Ao menos, são mais divertidas que a fofa de "Reeduque seu Cérebro, Remodele
seu Corpo"(DVS, 225 págs.,
R$ 42). Para essa autora, peso extra é igual a "cérebro
preguiçoso".
Só na última Bienal do Livro, foram lançados pelo menos 700 títulos sobre saúde e
mais 200 sobre beleza, todos
na base do "como fazer".
No ano passado, a autoajuda representava 5,44% do
total de livros produzidos no
Brasil, de acordo com informações da Câmara Brasileira
de Livros.
No Reino Unido, a editora
da Amazon, Fiona Buckland,
diz que o filão saúde-beleza
cresce em média 40% ao ano.
"Isso é um retrato dessa
cultura que enxerga o corpo
como capital. Saúde é o que
mostramos, o que aparece,
não é mais o que somos interiormente ou ausência de
dor", diza antropóloga Mirian Goldenberg, colunista
do Equilíbrio. "Esses livros
vendem a concepção de um
corpo jovem e que não vai
morrer nunca. Esse é "o" mercado", diz Goldenberg.
"A autoajuda na saúde está ganhando cada vez mais
valor na sociedade atual.
Mas se as pessoas têm preocupações reais com o corpo e
a mente, deveriam procurar
um médico", afirma o vice-presidente do grupo de médicos de família da Inglaterra,
Graham Archard.
É a mesma opinião de seu
colega brasileiro, Antonio
Carlos Lopes, presidente da
Sociedade Brasileira de Clínica Médica. "Prescrever dieta
é coisa de médico e nenhum
profissional de projeção realmente importante escreve essas obras com tanto apelo
mercadológico", opina.
Mas então esses livros são
perigosos? "Nada. A pessoa
compra, faz uma sopinha e
em seguida o livro vai ficar na
estante", diz Lopes
Não é a intenção da dona
de casa Cristina Nagao, 41,
que saiu da Bienal do Livro
na sexta retrasada carregando cinco sacolas.
"Comprei o "Estilo Saudável" (Alaúde, 192 págs., R$
29,90) da Cátia Fonseca, sabe, apresentadora do "Mulheres?'", disse, referindo-se
a um veterano programa de
TV e mostrando a capa.
Ela conta que, depois de
uns livros, mudou de vida.
Quase não come frituras e toma bastante água, mas a ginástica, confessa, ainda não
entrou na sua rotina.
O que ela aprendeu de
mais importante nesses livros? "Que a cozinha pode
ser uma fonte imensa de bactérias. Agora, sempre que
chego da feira lavo tudo e tiro
dos plásticos cor-de-rosa."
A administradora de empresa Silmara Mendonça, 36,
comprou "50 Frutas e seus
Benefícios Medicinais" (Elevação, 152 págs., R$ 19,90) e
estava encantada com o poder de um unguento de folha
de abacateiro contra aftas.
Silmara também investiu
em "Dr. Cabelo" ( Elevação,
192 págs., R$ 28,40). "Eu sei
que chapinha faz mal, mas
não sabia que água de coco
batida com a polpa melhora
o estrago", contou.
Ela afirma adorar dicas,
acha que essa categoria de
leitura é mais útil do que romances. "Romance? Só quero com o meu marido", falou
assim, bem prática.
Antes de comprar um desses livros é legal saber quem
é o autor, pesquisar sobre
ele. Quem recomenda é o médico Antonio Carlos Lopes.
Os fisioterapeutas Alessandra Concurueo, 25, e Rafael Reichler, 28, consumidores de livros de saúde, sabem
o que levam para casa. "Há
editoras especializadas, é
melhor comprar de quem entende", diz Rafael.
Para o sociólogo Dario Caldas, do Observatório de Sinais, imaginar que os títulos
espetaculosos manipulam
pessoas "ingênuas" é voltar
aos anos 60, quando a TV era
culpada por tudo. "Os livros
funcionam para uma parcela
da população. Mesmo que
sejam como bálsamo."
"As pessoas querem saber
"como" tudo. Da felicidade ao
nó de gravata", diz Caldas,
segundo quem há uma nova
safra de livros desse tipo que
são muito úteis. Tipo "Atividades do Dia-a-Dia Sem Segredos - Para Deficientes Visuais", da fundação Dorina
Nowill. Mas ele também não
se incomoda com obras que
ensinam a limpar a pele.
"Agora, educar a comer e a
ser feliz, acho complicado."
Não dá para lutar contra a
autoajuda, melhor aderir. Se
as dicas e receitas não funcionarem, ponho para rodar
o audiolivro "Ame Suas Rugas" (Universidade Falada,
R$ 11,99) e relaxo.
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