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Vencedora - Merula Anargyrou Steagall

ABRALE E ABRASTA www.abrale.org.br

Cura por atacado

Casada e mãe de três filhos, a administradora de 47 anos abraçou três causas. Na Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia) e na Abrasta (Associação Brasileira de Talassemia), das quais é presidente, realiza congressos, dissemina conhecimento, oferece suporte a pacientes com talassemia e doenças onco-hematológicas, com 42 funcionários e um orçamento de R$ 3,78 milhões (2013; dados da Abrale). Também lidera a Alianza Latina, que capacita organizações da área da saúde

RAQUEL BOCATO COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"A senhora não vai conseguir horário se não falar qual o tema da reunião", disse a secretária do então ministro da Saúde José Serra, em 2000.

"Só posso fazer o convite pessoalmente. Quarta que vem ele estará no gabinete?", perguntou, do outro lado da linha, Merula Anargyrou Steagall, dona da Insiders, importadora e distribuidora de utensílios de cozinha.

"Sim, mas a agenda está apertada", respondeu a assistente do ministro.

"Estarei aí. Tenho uns compromissos em Brasília."

Não havia "uns compromissos" na capital federal. Mas Merula saiu de São Paulo e, no dia marcado, apareceu no ministério. A secretária pediu que aguardasse em uma sala lotada. Ela recusou.

Quando a porta do gabinete abriu, ela mencionou um conhecido do ministro. "Vamos entrar", disse ele.

Merula contou que fora eleita presidente da Abrasta (Associação Brasileira de Talassemia) havia 15 dias e explicou sobre a doença de origem genética, conhecida como anemia do Mediterrâneo.

O paciente tem de receber transfusões de sangue periódicas --em geral, a cada 20 dias--, além de medicamento para eliminar o excesso de ferro do organismo.

O governo não dispunha das estatísticas que ela queria. Mas Merula saiu de lá com a lista dos hemocentros e o relatório de compra de remédios da pasta. Sua missão era elaborar um sistema de referência mundial para o tratamento da talassemia. Esse era o convite ao ministro.

Organizou um congresso internacional e reuniu diretores de hemocentros, médicos e pacientes. Levantou o número de casos, identificou lacunas no tratamento e ofereceu treinamento a médicos.

Merula, 47, investe em seus projetos com a fé de quem sabe que tudo vai dar certo. Faz planos por atacado --quer políticas públicas em vez de uma caixa de seringas; muitos filhos, e não só um; conhecer o mundo em vez de ficar parada. Ela tem pressa.

Sempre foi assim. Aos três anos de idade, quando foi diagnosticada com talassemia, os médicos disseram aos pais, os gregos Villy, 66, e Emmanoel Anargyrou, 79, que a menina viveria até os cinco.

"Não se apeguem", ouviram. Merula sabia que seriam mais. "Eu queria fazer tudo o que uma pessoa de 80 anos faz em 30 anos", conta.

Herdou o otimismo e a determinação do pai, que saiu da Grécia em 1954 e chegou ao Brasil com US$ 2 e poucas palavras em português.

Aqui, ele conseguiu emprego em uma metalúrgica. Tornou-se empresário e deixou para trás as lembranças da fome e da perda de parte da família na Segunda Guerra Mundial. "Vocês são abençoados. Têm o que comer", repetia aos três filhos.

GOSTO DE VIVER

Para Merula, o pai repetia: "Você gosta de viver? Então, aproveite tudo ao máximo".

Foi o que ela fez. Paraquedismo, rali, windsurfe, tudo isso está na bagagem. Também participou de um curso de modelo para vender roupas, de uma sociedade na agência de turismo da família e da criação de importadora de utensílios de cozinha.

O diminutivo que usa em certas situações expõe a importância que dá a algumas coisas: "tomar sanguinho", "vidrinhos da injeção", aguardar na "salinha de espera" do ministério.

Quis se casar ao terminar a faculdade de administração, após dois anos de namoro com Denisarth Steagall, 50.

Era setembro de 1991. A única data disponível para a cerimônia caía numa sexta-feira, 13 de dezembro. Poderia esperar dois anos. Mas driblou a superstição da mãe e fez a festa em três meses.

MATERNIDADE

No mundo, eram raros os casos de mães com talassemia. Merula teve quatro filhos: Daniel, 20, Dina, 15, Roberto, 13, e Vitória, que morreu logo após o nascimento.

Em 1998, o primogênito foi diagnosticado com linfoma de Hodgkin, câncer no sistema linfático. O casal consultou dois médicos no Brasil, buscou cirurgia espiritual e viajou para os EUA para ter tratamento mais eficaz.

"As células [do linfoma] estão necrosadas", disse o cirurgião, duas horas depois de iniciada a biópsia.

O câncer não deixou marcas em Daniel, mas trouxe a Merula o desejo de ajudar.

Ela achou que tivesse cumprido a missão com a Abrasta. Mas ouviu do ministro: "Por que você não monta uma associação para câncer?"

Foi a vez de ela aceitar o convite e criar a Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia).

À frente das instituições, ela tem mudado a história do tratamento, os prognósticos, o papel do governo e a qualidade de vida das pessoas. Para Merula, vitórias por atacado são muito mais saborosas.


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