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Nua há meio século

HÁ 50 ANOS, VERA FRANÇA, 70, TEM O MESMO OFÍCIO: SERVIR DE MODELO NU PARA ARTISTAS. ABAIXO, ELA CONTA SUA TRAJETÓRIA E DIZ POR QUE ESCOLHEU ESSA PROFISSÃO

(...) Depoimento a

ALEXANDRE ARAGÃO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Eu gosto de ficar pelada desde pequena, quando ainda morava em Afogados de Ingazeira (PE), onde nasci.

Aprendi a andar a cavalo com meus primos, eu tinha uns 12 anos, e ia nua tomar banho no açude.

Minha professora falava: "Que menina safada, nua em cima de um cavalo!", e contava para o meu pai.

Apanhava, chorava, mas não adiantava: fazia de novo.

Quando fiquei mais mocinha, andava por aí só de saia. Meu pai brigava comigo, falava pra eu ficar dentro de casa, mas não adiantava.

Éramos 13 irmãos -era a mais velha, criei todo mundo. Dava pinga com rapadura para eles dormirem e ia até a janela namorar.

Meu nome não é Vera.

Em casa tinha muita Maria: Maria Josefa, Maria de Lourdes, Maria José.

Não gosto do meu nome de batismo, Maria das Dores. Se fosse Maria Antônia, até acharia bonito.

Um dia, ainda em Pernambuco, decidi comigo mesma: de hoje em diante, me chamo Vera. Não é que pegou? Tem muita gente que não sabe meu nome real.

Meu primeiro convite para posar como modelo nu aconteceu quando trabalhava num parque de diversões em Salvador. Eu tinha 20 anos e queria ser bailarina de can-can, mas acabei virando Tanagra, a menor mulher do mundo. Um jogo de luz fazia com que as pessoas me vissem dentro de um aquário. Usava um biquíni bem pequenininho, da cor da pele.

Um dia, um estudante de engenharia me viu no parque e perguntou se eu queria ser modelo de uma escola de belas artes de Salvador. "É o que eu mais quero, mas só se for uma coisa de respeito."

Na verdade, não sabia direito o que era -não sabia que era pra ficar pelada pros outros me desenharem.

Quando trabalhava em Salvador, conheci uma mulher chamada Maitê, de São Paulo. Ela tinha ido à Bahia de férias e aproveitou para procurar uma modelo. Mais ou menos um mês depois de conhecê-la, cheguei a São Paulo.

SÃO PAULO

Desembarquei do ônibus à meia-noite, era dia 3 de abril de 1966. A Maitê foi quem me apresentou ao Flávio de Carvalho, o primeiro artista para quem posei aqui, logo que cheguei.

Acabei ficando no apartamento dele, na avenida Ipiranga, número 81.

Um tempo depois de eu vir para São Paulo, minha família toda veio de Pernambuco para cá. Eles não implicavam com a minha profissão. Hoje, dos 13 irmãos, só eu e mais uma continuam vivas.

Continuei posando mesmo quando fiquei grávida da minha segunda filha, quando tinha 40 anos.

Quando fiz 50 anos de carreira, no início de 2011, alguns colegas fizeram questão de trazer um bolinho para comemorar.

Divido meu apartamento, no centro, com uma de minhas duas filhas e meus dois netos. Minhas poses continuam sendo importantes para pagar as contas da família.

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