Diagnóstico e tratamento a distância
Em SP, neurologista ajuda a avaliar jovem acidentado na Bahia
Programa permite que especialistas do Albert Einstein consigam auxiliar outros médicos e atender pacientes a mais de mil quilômetros de distância
É hora de visita no Hospital Geral de Vitória da Conquista, no interior baiano. Na portaria, a aposentada Maria Dalva de Oliveira, 65, pede autorização para ver o marido. O atendente pergunta em qual setor ele está internado. "Corredor", ela responde.
Referência em alta complexidade no sudoeste da Bahia, a instituição estadual vive superlotada. Nos corredores, em média 60 pacientes aguardam nas macas uma vaga em um dos 209 leitos oficiais.
Mas muitas vezes recebem alta sem nunca terem experimentado uma cama de verdade. No corredor, são examinados e passam por procedimentos (tomam soro, por exemplo).
Mais uns passos à frente está a "sala do choque", onde pacientes graves aguardam uma vaga na UTI.
O jovem A.A., 32, é um deles. Sofreu um acidente de moto por volta das 8h daquela quarta-feira e chegou inconsciente ao hospital, com suspeita de traumatismo cranioencefálico (TCE).
São 16h e ele ainda não fez uma tomografia para avaliar a extensão do dano cerebral. O aparelho está quebrado há mais de uma semana.
"O ideal é fazer o exame tão logo o paciente chegue ao hospital. É fundamental saber se há sangramento, edema e se será preciso cirurgia", diz o intensivista Miquéas Martins Lima Silva, coordenador da UTI.
O hospital também não dispõe de um cateter para medir a pressão intracraniana. "É caro, de uso individual e descartável. Praticamente inacessível na rotina de um hospital público", diz.
No caso de A., a tomografia só foi feita 12 horas depois, em outro hospital. Ele foi transferido de ambulância, ligado ao respirador artificial. Retornou ao HGVC (Hospital Geral de Vitória da Conquista) após o exame.
A conduta não é recomendada, já que o transporte aumenta o risco de complicações e de morte.
24 HORAS
O HGVC é uma das 15 instituições brasileiras que integram uma rede de telemedicina mantida por meio de parceria entre o Hospital Israelita Albert Einstein (São Paulo) e o Ministério da Saúde.
Uma equipe de profissionais de ponta do Albert Einstein fica 24 horas por dia à disposição dessas unidades para orientá-las ou dar uma segunda opinião em casos complexos, como traumatismos cranianos, sepse, derrames e infartos.
Na outra ponta, há um monitor com câmera que se desloca até o leito do paciente. Em São Paulo, os plantonistas da telemedicina esclarecem dúvidas dos médicos, avaliam exames e podem até auscultar o doente, mesmo a 1.439 km de distância–como em Vitória da Conquista.
No dia da visita da Folha, dois casos foram discutidos. Um deles foi o do jovem A. Os médicos baianos pensavam em mantê-lo sedado, mas queriam ouvir a opinião de um neurologista, especialista raro naquele hospital.
Ao ouvir o relato sobre a condição clínica de A. e avaliar pelo WhatsApp a tomografia feita na noite anterior, a neurologista Cristina Massant, do Einstein, recomendou que a equipe repetisse a tomografia 24 horas depois, para verificar se a lesão no cérebro havia se estabilizado.
Sugeriu também a troca de um remédio por outro mais caro, mas o hospital baiano não dispunha da droga.
Nas semanas seguintes à visita, A. apresentou melhoras. Até o fechamento desta edição já respirava sem ajuda de aparelho e mexia as mãos e os pés.
ENTRAVES
São muitos os entraves para a introdução de tecnologias em hospitais públicos. Vão da crônica falta de recursos e de treinamento à resistência de profissionais para a adoção de novas práticas.
No hospital de Vitória da Conquista, por exemplo, há duas UTIs de adultos, mas só uma mantinha o canal aberto com a telemedicina do Einstein e seguia os protocolos mais atuais recomendados para doentes críticos.
Segundo a diretora do hospital, Marilene Ferraz Barbosa, as condutas para doentes críticos serão padronizadas, e a telemedicina, será usada em todo o processo, do pronto-socorro à UTI. "É uma tecnologia que melhora muito a qualidade da assistência."
E a tomografia quebrada? Marilene afirmou que o serviço é terceirizado pelo governo do Estado e que a demora do conserto chega a três meses. A saída até lá é fazer o exame em outro hospital.
Na opinião do médico Milton Steinman, coordenador do programa de telemedicina do Einstein, problemas como a falta de recursos e a superlotação, ao lado da resistência ao uso de novas ferramenta e da falta de conectividade de algumas unidades, têm sido grandes obstáculos para a ampliação da telemedicina no país.
Mesmo com esses entraves, Steinman vê o programa como uma importante ferramenta para potencializar o acesso a especialistas, a difusão de protocolos e a implantação de políticas de controle de qualidade e de melhoria de processos.
"A ideia é levar um pouco do Einstein para cada um desses hospitais e, de algum modo, contribuir para uma saúde mais universal."