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Raspas e restos me interessam

É bonito dizer que há oportunidades jogadas no lixo, mas o Brasil ainda tem um longo caminho até transformar o grande problema em bom negócio

TONI SCIARRETTA
CLAUDIA ROLLI
DE SÃO PAULO

A gestão do lixo é estratégica na transição da economia marrom à verde, frisa o relatório de referência que a ONU preparou para a Rio+20. É também um ramo de negócios com potencial no Brasil, que só recicla 13% de seus restos e ainda manda a lixões e aterros incorretos um terço do volume diário que gera.

No mundo, negócios do lixo movimentaram em 2011 US$ 108 bilhões. Volume que chegará a US$ 310 bilhões em 2050, com a adoção de novas tecnologias de tratamento do lixo, segundo previsões do Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente.

Mas para que se desenvolva no Brasil uma cadeia de negócios de resíduos é preciso que a nova lei "pegue". Nova é modo de dizer: após 19 anos de discussões, a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi promulgada em agosto de 2010. Com ela, o país adotou a tal "logística reversa", segundo a qual cada um cuida do seu lixo.

É um conjunto de ações para viabilizar a coleta e a devolução à empresa do produto ou da embalagem descartados para que ela reaproveite esse lixo ou dê a ele um outro destino adequado.

Nenhuma novidade para a indústria de agrotóxicos, por exemplo, que recicla 100% do seu descarte por questão de sobrevivência. O setor teve de se organizar, dividir custos e responsabilidades para tirar do campo o lixo tóxico.

Outras indústrias que geram lixo perigoso seguiram a trilha. Agora, empresas acordam para a necessidade de retirar do ambiente rejeitos menos tóxicos, mas não menos poluentes: plásticos, vidros, metais, papéis. E de ganhar dinheiro com isso.

O problema é que o custo da reciclagem não fecha. Na maioria das indústrias, é mais barato usar matéria-prima virgem do que comprar, triar e transportar sucata. Daí os debates sobre a divisão da conta: incentivos do governo, contribuições de todos os elos da cadeia (indústria, atacado, varejo) e aumento de preço ao consumidor.

No Brasil, as dificuldades são maiores porque a coleta seletiva é exceção nas grandes cidades -sem falar no custo logístico de vencer distâncias continentais.

"A estratégia para a reciclagem acontecer é fazer as empresas reconhecerem o valor econômico do resíduo", diz Flavio Ribeiro, assessor da Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, Estado que estuda criar incentivos.

"A cadeia da reciclagem deve substituir a extração de recursos naturais. Temos de passar de experiências isoladas para a política pública."

CELULARES TRITURADOS

Empreendedores com faro acham no lixo oportunidades para criar produtos de alto valor. Como a Wisewood, uma das maiores consumidoras de sucata plástica do país e pioneira da madeira ecológica. A empresa inventou um composto de plástico reciclado em escala industrial que substitui madeira de deques, vigas e dormentes.

Outra é a GM&C, que recolhe pilhas, celulares e eletroeletrônicos e lucra com a logística reversa. Exporta para o Japão e a Bélgica resíduos triturados (aqui não há recicladoras desse material).

Em 2011, as exportações da GM&C cresceram 20%: foram 15 toneladas de celulares. "Mas no país há 200 mil toneladas [são 200 milhões de aparelhos e cada um pesa 100 gramas], há muito espaço para a reciclagem", diz o presidente, Marcelo Oliveira. Segundo ele, esses volumes podem crescer se houver incentivo no pagamento de impostos e a empresa puder trabalhar com escalas maiores.

Para estimular a coleta desses produtos, a empresa lançou em parceria com Walmart e Carrefour a campanha "Recicla Mais". Até dezembro serão instalados mil pontos de coleta nas lojas das redes.

CATADORES UNIDOS

Além de tirar as ideias do papel, o desafio é aliar metas ambientais a sociais. Empresas de reciclagem vão disputar espaços com quem há anos trabalha no setor: catadores e cooperativas.

Exemplo que será apresentado na Rio+20, a Prefeitura de Natal se serviu da nova lei para contratar cooperativas de catadores e se responsabilizar por parte do serviço público de coleta de lixo.

Com know-how para reaproveitar o lixo, os catadores recebem da prefeitura para fazer a coleta seletiva, depois levam os descartes para unidades de triagem antes de seguir mais de 1.000 km até as indústrias de plástico, vidro, alumínio e metais no Sudeste do país. Do material coletado, só papelão ondulado é reciclado no Nordeste.

"O problema são os atravessadores, que prejudicam os catadores de cidades distantes das capitais. Há sucateiros que compram e vendem com lucro de 200%. Por isso, juntamos os catadores. Unidos vendemos direto para a indústria", disse Severino Lima Jr, presidente do Movimento Nacional dos Catadores de Rua.

Lima começou aos 12 anos no lixão de Natal. Hoje roda o mundo para falar da experiência brasileira. Em abril, deu workshop na Índia para ensinar catadores locais a se organizar e vender sucata.

Para Lucien Belmont, superintendente da Abividro (entidade nacional da indústria de vidro), a experiência dos catadores ajuda, mas o país não poderá depender apenas deles para implementar a coleta seletiva e a reciclagem de rejeitos sólidos.

A Abividro propõe que o país adote agências gerenciadoras de reciclagem, sem fins lucrativos, com a missão de coordenar as iniciativas de logística reversa das cadeias produtivas, como fez a Alemanha nos anos 90.

No caso da cadeia do vidro, a agência negociaria a compra e a venda de recicláveis com prefeituras, cooperativas de catadores, beneficiadoras, fabricantes e envasadoras. "Esse modelo gera inclusão social e renda para catadores e é atraente para a indústria. Para ser viável economicamente, é necessária a adesão de todos", disse Belmont.

Se as empresas já têm dificuldade logística para levar seus produtos e serviços até a casa do consumidor, terão agora de bolar uma boa engenharia para recolher e reaproveitar seus subprodutos.

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5% das emissões de gases de efeito estufa são causadas por decomposição de matéria orgânica em lixões e aterros sanitários, segundo relatório do Pnuma (o programa da ONU para meio ambiente).

62 milhões de toneladas de resíduos foram geradas no Brasil em 2011; o volume cresceu 1,8%, o dobro do crescimento da população no período (0,9%).

12 milhões é o total de empregos ligados à reciclagem apenas em três países: Brasil, China e EUA, segundo a ONU. A separação e o processamento de itens recicláveis sustentam dez vezes mais empregos que aterros sanitários ou incineração

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