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Morador se diz o mais fiel e apaixonado pelo lugar

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Naquela rua, a poeira subia. Havia poucos moradores para prosear. No terreno de uma das escassas casas, dois abacateiros, rodeados por pés de ameixa, limoeiros e parreiras, desenhavam um Tucuruvi que ficou intacto na memória de um morador.

"Seu" Michele Antônio Lagreca, 74, assistiu a muitas mudanças nos mais de 50 anos em que vive no bairro.

"Dos lotes, vieram as casas. O asfalto ficava longe. O trem apitava quando parava no largo do Jaçanã, em direção à serra da Cantareira", recorda-se o aposentado, que nasceu na Itália.

"Amo esse lugar. Foi aqui que me criei, casei e tive filhos e netos", diz ele.

O Tucuruvi é o distrito da zona norte com o maior percentual de fidelidade, segundo pesquisa Datafolha.

Não pensam em deixar o lugar 88% dos entrevistados. E 43% deles consideram o Tucuruvi "muito melhor que os outros distritos da cidade".

"Se eu estiver dormindo e ouvir a palavra 'Tucuruvi', sou capaz de acordar e logo abrir os olhos", diz, sorrindo, "seu" Lagreca.

De olho no passado, o aposentado lembra que comprou aquele belo terreno, em um bairro que ainda nem existia como tal, por "cem prestações de 25 mil cruzeiros".

Nascido em Salerno, no sudoeste da Itália, Lagreca veio com a família para o Brasil nos primeiros anos da Segunda Guerra. Na chegada a São Paulo, morou com a família na região da Pompéia.

Num bailinho de colégio, no centro da cidade, conheceu Fátima, com quem se casou. "Foi um tio dela que me mostrou a casa dos abacateiros", recorda-se, sem esconder uma certa emoção.

Após o casamento, a vida não foi fácil; todos os dias pegava ônibus lotado. O pai, que era engraxate, emprestava dinheiro para que pudesse trabalhar em bicos de professor e revisor de jornal.

Arrumou emprego de eletrotécnico em uma fábrica de papel e celulose. Logo, passou a viajar com frequência para o exterior.

"Na volta de Congonhas, quando o táxi pegava a Dr. Zuquim [que dá acesso ao Tucuruvi], eu respirava melhor, de tanta felicidade."

Viu o bairro crescer, como a própria casa. No quintal, uma grande piscina ocupa o lugar onde antes se fixavam as raízes dos abacateiros.

Se os pés de frutas não existem mais, ainda resta um pequeno quarto, que fica atrás da piscina e hoje guarda boas histórias.

"Nele, se trocavam homens, mulheres e travestis por causa do desfile de Carnaval", lembra o italiano naturalizado brasileiro em meio a gargalhadas.

Era início da década de 1970. Três casas abaixo da de "seu" Lagreca ficava a sede da escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi, da qual ele foi vice-presidente.

"No começo, éramos o patinho feio da liga das escolas de samba", diz. "Hoje, as mulheres pagam para desfilar", gaba-se esse ilustre e autêntico morador.

(RB)

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