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Crack resiste e com ele sujeira se alastra

Região produz lixo 'rico' que atrai usuários da droga; 20% dos moradores do centro criticam coleta e limpeza

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO

A rua Dino Bueno, no centro da cidade, retomou o pulso, coração da cracolândia que é. Na semana passada, 200 homens, mulheres e crianças acotovelavam-se na esquina com a rua Helvétia.

Todos disputavam pedras de crack que uma mulher de cabelos loiros oxigenados distribuía. "É nóis, é nóia", sintetizou o autônomo Antônio Goulart, 45, usuário da droga, sobre a natureza da aglomeração.

"Eu teria vontade de rir se o problema não fosse comigo. Está tudo como antes", disse à Folha a manicure Olinda de Jesus, 56, que vive em um prédio na praça Júlio Prestes. "É insuportável a sujeira, a bagunça, o barulho. Muita gente já saiu daqui [por não aguentar]."

Nem parece que há oito meses, uma megaoperação policial ocupou o território do crack, espalhando os usuários da droga pelos bairros de Santa Cecília, República e Consolação. Cortiços foram demolidos. Carros da PM montavam guarda em cada esquina.

"Choque de ordem", anunciou-se. A cracolândia deixaria de existir em 30 dias a partir do dia 4 de janeiro deste ano, profetizou um comandante da PM.

O CAMPEÃO

A pesquisa Datafolha perguntou aos moradores do centro: "Qual o principal problema das ruas próximas à sua casa?". Com 20% do total de respostas, "limpeza, coleta de lixo e sujeira na cidade" apareceram como o item campeão de reclamações, na frente de segurança pública (12%) e buracos de rua (11%).

Segundo o mecânico Florisberto Seixas, 29, a "maldição do centro é que tem o lixo mais rico da cidade". Isso atrai usuários de crack, "recicladores de mão cheia".

Na frente da loja de peças de motocicleta na rua dos Gusmões, passam em fila indiana, quatro homens, corpos esqueléticos envoltos em cobertores baratos (esse é o uniforme dos "nóias").

Empurram carrinhos de supermercado atulhados de sucata garimpada no lixo do comércio da região -na vizinhança conta-se ainda a meca dos eletrônicos, a rua Santa Ifigênia

Papelão de embalagens, ferro, cobre, baterias velhas são trocados por dinheiro (no mercado da reciclagem, um quilo de ferro vale R$ 0,30), que por sua vez transforma-se em pedras -de crack.

"O que, para as lojas, chegou ao fim, para nós é só o começo", define, como se fosse missão empresarial, Claudio dos Santos, 56, morador de rua, ex-funcionário público estadual.

"Eles passam os dias abrindo sacos de lixo para garimpar dentro deles alguma coisa de valor. E vão deixando um rastro de detritos", protesta Cícero Nicodemus da Silva, 67, encanador.

Segundo ele, a situação já era ruim, mas piorou nos últimos tempos, com as intervenções da prefeitura e do Governo do Estado na região.

"Quando anunciaram o projeto Nova Luz [de revitalização do entorno da estação da Luz], parecia que tínhamos ganho na loteria. Diziam que tudo ia valorizar", lembra Silva, infeliz proprietário de um apartamento no epicentro da cracolândia.

Em março de 2010, derrubaram o Shopping Luz [especializado em confecções populares]. No terreno de 19 mil m², previa-se a construção do Complexo Cultural Luz, que incluía o Teatro da Dança de São Paulo. A obra deveria ter-se iniciado em 2011. Não começou até hoje.

"Com isso, o bairro se esvaziou de gente, o dinheiro que circulava diminuiu e esse lugar se tornou o melhor abrigo para o negócio do crack. Se eles quiseram melhorar, tomaram o demo como conselheiro", reclama Silva.

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12%

dos moradores do centro reclamam da falta de segurança

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