São Paulo, 27 de outubro de 1999

Escolas integram ou
marginalizam seus alunos


GILBERTO DIMENSTEIN

do Conselho Editorial
PRISCILA LAMBERT
da Reportagem Local

A escola _e a forma com que ela se relaciona com os estudantes e com a comunidade_ patrocina paz ou fomenta marginalização.

Os adolescentes que agora protagonizam cenas de barbárie na Febem são vítimas da exclusão escolar. Seu processo de marginalidade começou na família e prosseguiu na escola, até explodir na rua. A escola poderia servir como barreira para conter a ida à rua e, no limite, à delinquência.
Niels Andreas/Folha Imagem
Oficina cultural realizada na semana passada na Escola Municipal Mauro Faccio Gonçalves, em SP

Há escolas de dois tipos: as que marginalizam e as que integram. Na Escola Estadual Antonio Nascimento, em São Bernardo do Campo, por exemplo, alunos provocam curtos-circuitos na rede elétrica do prédio _e até do bairro todo_ para serem dispensados mais cedo. Nos blecautes, professores têm de se refugiar embaixo da mesa para se proteger das cadeiras jogadas ao ar.
“É uma bagunça. Metade da classe está sem caderno porque o pessoal rasga mesmo. Tive que comprar um pequeno para continuar minhas anotações da aula”, diz D.S.G., 14, que cursa a 8ª série.
Na outra ponta, a Escola Estadual Professor Renato Arruda Penteado, na Vila Brasilândia (zona norte de SP), é hoje exemplo de integração com a comunidade.
A escola superou os males causados pelo vandalismo convocando pais, alunos e membros da comunidade para investigar as causas desses comportamentos.
Antes de 98, dois alunos foram baleados dentro do pátio, e outros 14 foram assassinados em brigas de gangue e balas perdidas fora do estabelecimento. Os móveis estavam destruídos, muros e paredes, pichados, e a frequência de alunos em sala era muito baixa.
No ano passado, os pais passaram a participar de discussões sobre as regras a serem impostas, fizeram mutirões para recuperar o mobiliário e ajudaram a desenvolver atividades durante os finais de semana, quando a escola é aberta à comunidade.
“Desde então, o prédio se manteve intacto, e não houve violência. Todos administram a escola junto com a direção”, diz a diretora Eliana de Mello.
Segundo Túlio Kahn, sociólogo e coordenador de pesquisa do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente), o caminho é a democracia escolar. “Se a escola não é apresentada como um bem do próprio aluno e da comunidade, eles destroem tudo”, diz Kahn.
E destroem mesmo. Números divulgados pela Secretaria da Segurança Pública apontam o aumento da violência entre estudantes. Durante todo o ano passado, 15 bombas explodiram em escolas de São Paulo. Neste ano, apenas até agosto, já eram 31 casos.
As brigas, dentro ou na porta das escolas, passaram de 298, em 98, para 314 até agosto deste ano.
Cem pesquisadores do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, após visita a 1.440 escolas de primeiro e segundo graus de todo o país, também captaram o alastramento dessa epidemia da violência escolar.
Numa encomenda da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), os pesquisadores concluíram que mais da metade das escolas tinha sofrido algum tipo de violência no mês anterior ao levantamento _principalmente roubo e vandalismo.

Realizada entre 96 e 97, a pesquisa mostrou que os professores e diretores se sentiam acuados, incapazes de reagir.
Um estudo feito por professores do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, com 1.675 alunos das redes pública e privada da capital, aponta que os problemas não estão restritos às escolas públicas.
Segundo o levantamento, feito em 98, 12% dos alunos de escolas particulares admitiram ter portado arma nos 12 meses anteriores à pesquisa _contra 8% na rede pública. Em relação a brigas, 20,3% dos estudantes de escolas particulares confirmaram ter participado de dois ou mais episódios, contra 15,2% dos de escolas públicas.

“A escola não está isolada dos problemas que ocorrem ao seu redor. Mas arbitrariedade, condutas violentas e ausência de regras geram violência dentro da escola”, diz a socióloga Marília Sposito, professora da Faculdade de Educação da USP. “A omissão por parte da escola é um bom elemento para favorecer a exclusão.”
Marília acompanha a violência nas escolas desde a década de 80. Ela percebeu que aquelas que desenvolveram trabalho de aproximação com os pais e a comunidade e se abriram para atividades culturais tiveram melhora disciplinar por parte de alunos, pais e membros da comunidade. “Não adianta apenas abrir a quadra no fim-de-semana. É preciso desenvolver um trabalho educacional no dia-a-dia, que permita a participação de todos no estabelecimento de regras”, diz Marília.
Mas, para a educadora, a escola não está só nesse processo. “A eficácia depende da integração entre ações das instituições com políticas governamentais que garantam o primeiro emprego, o policiamento comunitário e o atendimento a dependentes de drogas.”

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