São Paulo, 10 de novembro de 1999


Comunidade assume educação e saúde

Patrícia Santos/Folha Imagem
Hallana, 9, é uma das alunas do curso de balé infantil, única atividade atual no único teatro da Vila Kennedy, o Faria Lima

da Sucursal do Rio

As igrejas e as associações de moradores assumiram o ensino pré-escolar, parte do atendimento médico e até a limpeza das ruas em Vila Kennedy e Vila Aliança. Na ausência do Estado, o espaço é ocupado pelas entidades civis.
Existem 17 associações de moradores e 74 igrejas em Vila Kennedy. A maioria das entidades é comandada por cabos eleitorais. A Associação de Moradores de Vila Kennedy, por exemplo, é ligada ao deputado federal Rubem Medina (PFL) enquanto a de Nova Aliança é ligada a Francisco Dornelles, ministro do Trabalho.
Apesar de usadas para caça de votos nos períodos eleitorais, as associações cumprem seu papel social e evitam uma explosão ainda maior da violência.
Cem crianças da favela Nova Aliança passam o dia na creche da associação de moradores, que assinou um convênio com a Prefeitura do Rio. O município dá os alimentos e paga os salários da cozinheira e dos 13 recreadores. Os pais pagam R$ 10 por mês para cobrir as demais despesas.
O prédio da associação se destaca na favela. Limpo e organizado, ele funciona como uma pequena empresa e possui 40 funcionários. Tem sala de enfermagem _com medicamentos doados pelos próprios moradores_, ambulância, consultório de dentista, oculista e até curso de computação.
Outro exemplo da mobilização dos moradores é a cooperativa para a compra de telefones montada pela União dos Moradores de Vila Progresso, uma favela da periferia de Vila Kennedy.
Há três anos, o presidente da associação, João Galdino, fundou uma cooperativa com as 2.400 famílias que queriam comprar telefone. Enquanto a Telerj construía a rede, o que levou dois anos, os associados depositaram R$ 50 por mês numa conta bancária aberta em nome da cooperativa. Enquanto isso, o dinheiro ficou aplicado em títulos financeiros.
Quando a rede ficou pronta, havia R$ 3 milhões na conta. A cooperativa pagou as linhas, devolveu R$ 410 a cada associado e ainda comprou um terreno onde foi construído o clube campestre da cooperativa, com duas piscinas, sauna e 4.000 pés de manga.
A Associação de Moradores de Vila Progresso tem 47 empregados, todos com carteira assinada. Galdino, que era motorista de ônibus antes de assumir a presidência da entidade, é membro ativo da paróquia Cristo Operário. Ela dedica tempo integral à associação e recebe R$ 700 por mês da entidade. ‘‘Faço uma retirada equivalente ao salário que teria como motorista’’, esclarece.
A limpeza das ruas é feita, mediante convênio com a prefeitura, por 37 funcionários da associação. O município paga os salários dos garis: fixo de R$ 202 por mês mais um percentual de produtividade que pode chegar a 50%.
A associação tem convênio também com o governo estadual para atendimento domiciliar a deficientes mentais. A equipe é formada por psicólogo, fonoaudiólogo, assistente social, dois terapeutas ocupacionais, dois artífices (que ensinam o trabalho com material reciclado) e duas secretárias.
Em contraste com o dinamismo das entidades civis, os postos de atendimento da Fundação Leão 13, do governo do Estado (Secretaria Social, Esporte e Lazer), estão abandonados e só funcionam, na prática, para dar atestados de pobreza aos moradores que precisam tirar documentos e não têm dinheiro para pagar as taxas.
No posto de Vila Kennedy, o serviço odontológico foi suspenso há três meses por falta de anestésico. A sala de enfermagem fica fechada com frequência por falta de remédios e o laboratório não funciona. O quadro se repete em Vila Aliança. (ELVIRA LOBATO)

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