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Periferia se iguala à Guiana e
bairros nobres, aos EUA
Risco de morrer assassinado é muito desigual e faz com que a esperança
de vida do morador dos bairros pobres seja igual à registrada no
resto da cidade há 20 anos
JOSÉ ROBERTO
DE TOLEDO
da Reportagem Local
A epidemia de violência
rouba dois anos e meio de vida dos homens paulistanos. A esperança
de um recém-nascido do sexo masculino em 1998 em São Paulo
era viver até os 65,2 anos. Descontadas, porém, as mortes
causadas por assassinato, os moradores da capital teriam sua expectativa
de vida ampliada até os 67,7 anos.
A violência tem sido uma das principais causas para a esperança
de vida na capital ter evoluído muito lentamente neste final de
século. Em 1980 ela já era de 63,6 anos para os homens.
Ou seja, em quase duas décadas aumentou pouco mais de um ano e
meio.
A perda de 2,5 anos se refere à média da cidade. Mas os
riscos de morte por homicídio são muito desiguais e seus
efeitos sobre a esperança de vida variam radicalmente de distrito
para distrito.
Assim, enquanto subtraem pouco mais de seis meses da expectativa de vida
dos moradores de regiões nobres da cidade, os assassinatos encurtam
em quatro anos a dos habitantes do Jardim Ângela -um dos três
distritos mais violentos de São Paulo.
É o que revelam cálculos feitos pelo demógrafo Carlos
Eugenio de Carvalho Ferreira, do Seade (Serviço Estadual de Análise
de Dados). A pedido da Folha, ele determinou a esperança de vida
ao nascer para o total da cidade, bem como para os três distritos
mais violentos e para três dos menos violentos.
No primeiro grupo estão Guaianases ao leste, Brasilândia
ao norte e Jardim Ângela ao sul. Os três estão localizados
na extrema periferia da cidade, na fronteira com outros municípios.
No ranking da morte de 1998 elaborado pelo Pro-Aim (órgão
de vigilância epidemiológica da Prefeitura de São
Paulo), esses distritos ficaram com as três primeiras posições.
Suas taxas de homicídio os colocariam entre os dez municípios
mais violentos do país. Elas foram de 88 por 100 mil habitantes,
84,8/100 mil e 84,6/100 mil, respectivamente.
No segundo grupo, formado por áreas ricas e centrais, o risco de
morrer assassinado é apenas uma fração do risco dos
distritos periféricos: Jardim Paulista (2,4/ 100 mil), Consolação
(3,6/100 mil) e Perdizes (8,9/100 mil).
Como aponta o documento "A Mortalidade no Município de São
Paulo em 1998", do Pro-Aim, "fica evidente a relação
entre a violência e as condições de vida da população".
Para se ter uma idéia da diferença, a soma do total de moradores
que morreram assassinados nesses três distritos em 1998 chega a
13 pessoas -o equivalente a apenas 6% das 211 vítimas da Brasilândia.
A consequência é o aumento das desigualdades sociais dentro
de São Paulo. Some-se aos assassinatos as mortes no trânsito
(também mais volumosas na periferia) e maiores taxas de mortalidade
infantil. O resultado será uma diferença brutal na esperança
de vida entre os vários distritos da cidade.
Em Guaianases, a expectativa de vida combinada para ambos os sexos é
de 64,8 anos. Nada menos do que 12 anos menor do que a esperança
de vida ao nascer para o conjunto dos moradores das três áreas
menos violentas (Jardim Paulista, Consolação e Perdizes),
onde ela chega a 76,5 anos.
Se fossem países, os distritos ricos estariam no mesmo nível
dos EUA (76,7 anos de esperança de vida e terceiro colocado no
Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas),
enquanto Guaianases estaria em patamar semelhante ao da Guiana (64,4 anos
e 99º no IDH).
Não se trata de caso isolado. A esperança de vida combinada
para homens e mulheres no Jardim Ângela é de 67,8 anos (equivalente
à do Quirguistão, 97º no IDH), e a da Brasilândia
é de 65,5 anos (semelhante à do Turcomenistão, 96º
no IDH).
Na escala da desigualdade social paulistana, os 25 km que separam os Jardins
de Guaianases equivalem aos milhares de quilômetros que se interpõem
entre os EUA e a Guiana.
A comparação mostra que a periferia está quase 20
anos atrasada em relação ao resto da cidade. A esperança
de vida dos homens de Guaianases (60,9 anos), Brasilândia (60,7
anos) e Jardim Ângela (63 anos) ainda é inferior à
da média que São Paulo apresentava em 1980 (63,6 anos).
Onda jovem
O analista do Seade aponta algumas causas para essa epidemia de violência:
exclusão social, tráfico de drogas, banalização
da vida e a "onda jovem" -é que os bairros periféricos
concentram mais jovens do que os centrais, e são eles os principais
autores e vítimas dos assassinatos.
A isso junta-se a própria circunstância geográfica.
Estar na extrema periferia significa afastamento do Poder Público
(leia-se polícia, calçamento, água e esgoto), significa
que os mercados de distribuição de drogas ainda não
estão consolidados, que as moradias são localizadas em invasões.
Todas essas condições favorecem o conflito e, no limite,
os assassinatos.
É por essas razões que os médicos do Pro-Aim em seu
documento sobre a mortalidade paulistana afirmam: "Só um projeto
global, criativo e urgente, que tome a redução dos homicídios
como prioridade e busque atuar nos diferentes determinantes e que conte
com a participação de todas as instâncias de governo
e da sociedade civil pode contribuir para transformar a situação."
Enquanto isso não ocorrer, as perspectivas na periferia continuarão
literalmente mais curtas do que no centro da cidade.
Um jovem que consiga chegar até os 20 anos em Guaianases continuará
tendo uma expectativa de viver até os 67 anos, enquanto um contemporâneo
seu, cuja única diferença é morar na região
privilegiada, poderá esperar chegar até os 78 anos.
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