São Paulo, 10 de novembro de 1999


Patrícia Santos/Folha Imagem
Muro pichado com a inscrição "Bad Brasil" em rua da Vila Kennedy, bairro operário criado há 30 anos na zona oeste do Rio e atualmente dominado pela violência

Vilas "americanas" do
Rio viram favelas


ELVIRA LOBATO
da Sucursal do Rio

Construídas com dinheiro norte-americano, na década de 60, para servir de modelos de erradicação das favelas do Rio de Janeiro, Vila Kennedy e Vila Aliança, na zona oeste da cidade, estão tomadas pelo tráfico de drogas. A ausência do Estado, o desemprego e a desocupação dos jovens são combustível para a violência.
As duas vilas foram as primeiras experiências de remoção de favelados da zona sul para conjuntos habitacionais em áreas afastadas. Ambas ficam em Bangu (a 44 Km do centro) e foram construídas no governo Carlos Lacerda (1960-65) para serem vilas operárias.
Parte do projeto foi financiada pela ‘‘Aliança para o Progresso’’, daí se chamarem Aliança e Kennedy. Os recursos (US$ 3 milhões em valores da época) saíram da Usaid (United States Agency for International Development).
Desde 16 de outubro, tropas de choque da Polícia Militar ocupam a favela da Metral _uma das oito existentes em Vila Kennedy_ e seis supostos bandidos morreram. A partir daí, Vila Kennedy está em clima de guerra.
As escolas encerram aulas noturnas duas horas mais cedo; os bailes de funk e pagode estão suspensos e a escola de samba cancelou atividades de final de semana por tempo indeterminado.
‘‘Ninguém conseguiu dormir naquela noite. Fiquei olhando para o céu riscado de balas (balas traçantes, que deixam um rastro vermelho) até o amanhecer. Nunca tinha visto nada igual. Subimos um degrau na escala da violência e não há retorno’’, afirma o padre José Carlos Lino de Souza, pároco da igreja Cristo Operário.

Oficinas abandonadas
Vila Kennedy nasceu com 5.069 casas e a Vila Aliança, com 2.187. Receberam famílias de pelo menos oito favelas, sendo que da maior delas, a do Pasmado (morro que liga Botafogo a Copacabana), foram removidos 1.100 barracos. Trezentos caminhões de lixo fizeram as mudanças.
Além das casas, foram construídas oficinas coletivas de trabalho para ocupar a mão-de-obra local e permitir a auto-suficiência das vilas. Cooperativas de costureiras e de padeiros, lavanderia e oficina mecânica coletivas e fábrica de vassouras chegaram a ser instaladas, mas tudo foi abandonado.
Não há informação sobre o paradeiro do maquinário das oficinas. As últimas referências daquele período são as ruas de Vila Aliança, batizadas com nomes de profissões.
Tampouco há estatística oficial sobre a população das duas vilas. A subprefeitura de Bangu, que abrange as duas comunidades, calcula que Vila Kennedy tenha 150 mil habitantes, ao passo que Vila Aliança teria cerca de 70 mil.
Em torno do núcleo original de Vila Kennedy foram construídos outros conjuntos habitacionais de pequenas casas, mas sem a infra-estrutura necessária. Além disso, surgiram favelas, a partir da invasão de sítios e chácaras da região.
Concebidas para solucionar o problema das favelas da zona sul, Vila Kennedy e Vila Aliança agregaram favelas na zona oeste.
Em torno de Vila Kennedy surgiram as favelas da Metral, do Pica-pau Amarelo, Nova Kennedy, Alto Kennedy, Jardim Éden, Chatuba, Broquetti e Progresso e os conjuntos Malvinas, Quafa, Leão, Rampa 1 e Rampa 2, Light, Cirp e Manilha. A situação é semelhante em Vila Aliança, que tem em seu entorno quatro favelas perigosas: Nova Aliança, Minha Deusa, Vacaria e Mangueiral.
Estado e município não têm dados específicos sobre a violência nas duas vilas. Estatísticas existentes abrangem toda a região de Bangu e mostram alto número de homicídios, de tráfico de drogas e de desova de carros roubados.
Os boletins do 14º Batalhão da Polícia Militar, responsável pela região, dão um quadro assustador: nas três primeiras semanas de outubro foram registrados, na área, 5 homicídios, 13 prisões por tóxico e 17 carros roubados.
Em agosto, foram 12 homicídios, 35 prisões por tóxico, 60 prisões em geral e 26 carros roubados. Em julho, os números são parecidos: 10 homicídios, 36 prisões por tóxico, 51 prisões em geral e 37 carros roubados.
O estudo ‘‘Análise Territorial da Violência no Rio’’, produzido em 96 pelo Instituto de Estudos da Religião, mostra que Bangu tem 120,8 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto os bairros de zona sul Lagoa e Jardim Botânico têm taxa zero.

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