São Paulo, 17 de novembro de 1999


Centro restaurado resgata
comércio, mas exporta crime


Regiões históricas recuperadas voltam a ser pontos turísticos, reduzem a presença de criminosos, mas geram bolsões de miséria e exclusão nas suas imediações

OTÁVIO CABRAL
da Reportagem Local

A restauração de centros urbanos consegue incrementar o turismo e o comércio de regiões degradadas. Mas, por outro lado, não resolve o problema da violência nas grandes cidades. Os criminosos que viviam nos centros são expulsos, mas migram para outras regiões, criando novos cinturões de criminalidade.
O fenômeno foi verificado na maioria das nove cidades beneficiadas pelo Projeto Monumenta, do Ministério da Cultura, que incentiva a restauração de centros históricos degradados.
“A restauração de centros urbanos reduz a violência nesses locais. Mas, por falta de outros investimentos, a criminalidade não acaba; migra para outros pontos”, constata Pedro Taddei Neto, coordenador do Projeto Monumenta (veja no quadro à dir. as principais obras do programa).
Os centros urbanos restaurados

Taddei Neto explica que, antes da restauração, os centros históricos eram ocupados por cortiços, habitados principalmente por desempregados, traficantes, prostitutas e travestis.
Os principais exemplos dessa situação de moradia estavam na região do Pelourinho, em Salvador, no Recife Antigo (PE) e no centro histórico de São Luís (MA).
Para desenvolver a região, os moradores foram retirados, e os cortiços, restaurados. Como não tinha posse do imóvel, a população foi removida sem receber qualquer indenização. Por isso, acabou vivendo ao redor do centro, em regiões que se tornaram um novo “cinturão encortiçado”.
Taddei Neto atribui a criação de novas regiões encortiçadas à ausência de uma política habitacional para os egressos das áreas históricas e à dependência que os antigos moradores têm da região central das cidades.
Um exemplo de “transferência da miséria” pode ser verificado em Salvador. Com a restauração do Pelourinho, em processo há mais de uma década, os casarões coloniais deixaram de ser cortiços para abrigar lojas, bares, restaurantes e museus. Sem ter para onde ir, a antiga população criou um cinturão violento nos bairros em torno do centro.
“Como não houve plano habitacional, a antiga população do Pelourinho ocupou casarões e transformou bairros de classe média baixa em novas regiões de miséria e de cortiços”, afirma o arquiteto Paulo Almindo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, que participou do processo de reconstrução do centro de Salvador.
Entre os bairros que sofreram a degradação pós-restauração do Pelourinho, ele cita Santo Antônio D’Além do Carmo, Ladeira da Misericórdia, Saúde e Palma.
Para evitar que a criminalidade atinja áreas turísticas, o policiamento nessas regiões é reforçado. É o que ocorre em Salvador, onde há o Batalhão Pelourinho, com grande investimento em armas e equipamentos. E em Recife (PE) e São Luís (MA), onde também já há uma polícia especializada no atendimento a turistas.
“Os índices de violência diminuem nessas regiões, mas crescem em outras áreas, que sofrem com a falta de policiamento”, afirma o sociólogo Alceu Vieira Filho, que estuda a violência na Universidade Federal de Pernambuco.
Para o arquiteto Luis Phelipe Andrèes, que coordena o Monumenta em São Luís, o problema só será resolvido quando houver um programa de recuperação da população que vive nos centros urbanos históricos.
“Traficantes, prostitutas, mendigos e guardadores de carro dependem do centro para viver. Enquanto não houver uma requalificação para essas pessoas, o problema da violência continuará, independentemente da reforma de centros”, acredita Andrèes.

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