São Paulo, 17 de outubro de 1999


Hernani, 12, perdeu o pai;
João, 38, nunca foi roubado


da Reportagem Local

A história de quatro moradores de São Paulo, dois de bairros pobres, dois de regiões nobres, mostra como a violência atinge a vida dos paulistanos de forma diferente.
José Adriano Branco da Silva é um exemplo claro de expectativa de vida cortada pela violência.
Numa manhã de sábado do último mês de abril, aos 25 anos, ele saiu de casa, em Guaianases, e foi encontrar a ex-namorada, Jaqueline. Esperava reatar o romance.
"À tardinha, fomos avisados de que ele havia sido morto na casa dela", conta a tia, Maria Aparecida, 29. O motivo do crime até hoje é ignorado.
Outro morador da periferia, Hernani Aparecido Pereira, 12, viu o pai morrer aos 39 anos de idade. Ernani, o pai, levou tiros de assaltantes quando ia a um culto da Assembléia de Deus, em Parada 15, zona leste de SP.
Apesar do histórico, o menino diz não temer a violência. "Não tenho medo de barulho de tiro, não, porque aqui é normal. Todo dia a gente ouve", responde o garoto ao ser perguntado se o crime havia lhe deixado algum trauma.
Aluno da 5ª série, Hernani pretende ser delegado, mas a mãe, Maria das Dores, desempregada há quase três anos, diz que ele terá que se acalmar. "Ele anda muito briguento. Acho que ficou revoltado depois do que aconteceu", diz.
No outro lado da cidade, na Vila Olímpia, vive João Batista Gil Júnior, dono de uma academia de ginástica.
Aos 38 anos, ele é um felizardo: nunca foi assaltado.
Apesar disso, adotou uma série de precauções nos últimos dois anos, após o pai e o irmão terem sido vítimas de assaltos.
"Evito sair à noite. Não tenho mais coragem. Agora, prefiro reuniões na casa de amigos", disse Gil. Ele também não tira mais dinheiro nos caixas eletrônicos 24 horas.
O outro João desta história tem 10 anos e chegou a trocar o bairro de Perdizes, em São Paulo, por Fortaleza após um assalto e telefonemas ameaçadores dos assaltantes.
Apesar da melhor qualidade de vida da capital do Ceará, a família voltou, há um ano e meio, depois que o filho não se adaptou às escolas de lá.
"Preferimos nos arriscar, pois priorizamos a educação", diz a mãe, que pediu para não ser identificada. Ela teme represálias, já que dois dos assaltantes ainda estão soltos.
Entretanto, sobraram traumas. "Às vezes, quando ouço um barulho na porta, fico com medo, mas falo para mim mesmo, "calma'", diz João.


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