São Paulo, 17 de outubro de 1999


1,8% das cidades concentram
51% dos homicídios


Das 100 cidades brasileiras mais violentas,
74 estão em 3 Estados: Pernambuco (28),
São Paulo (26) e Rio de Janeiro (26)

da Reportagem Local

A se confiar nos dados de mortalidade do Sistema Único de Saúde (SUS), a epidemia de violência que atinge o Brasil é um problema restrito a poucas cidades de um número limitado de Estados.
Levantamento feito pela Folha com base nas informações de mortes por homicídio ocorridas em 1997 mostra que a maioria absoluta dos assassinatos está concentrada em apenas cem cidades.
Ao mesmo tempo, mais da metade dos municípios brasileiros não teve nenhum assassinato.
Na verdade, apenas 13% das 5.506 cidades registraram uma taxa de homicídio superior à média do país em 1997, de 25,4 por 100 mil habitantes (isso significa que, de cada grupo de 100 mil brasileiros, 25 morreram assassinados).
Para evitar distorções, entretanto, é melhor considerar apenas os municípios com mais de 20 mil habitantes. Caso contrário, uma cidade como Borá (SP), que registrou só um homicídio em 1997, ficaria em 4º lugar.
Além disso, os municípios com mais de 20 mil habitantes reúnem cerca de 80% da população do país e 90% dos homicídios.
Considerando-se apenas o grupo com as 1.400 maiores cidades, a classificação revela que as 100 mais violentas concentram apenas 22% dos brasileiros, mas 51% dos mortos por assassinato.
O ranking de homicídios por habitante mostra que a epidemia de violência, embora explosiva, não se irradiou por todo o país.
Tal conclusão fica ainda mais clara se for levada em conta a unidade da Federação onde estão os cem municípios mais violentos.
Apenas três Estados abrigam 74 das 100 cidades: 28 em Pernambuco, 26 em São Paulo e 20 no Rio de Janeiro. As demais estão distribuídas entre Espírito Santo (6), Mato Grosso do Sul (5), Mato Grosso (4), Paraná (4), Pará (2), Alagoas, Amapá, Bahia, Goiás e Rondônia (uma cidade cada).
O ranking dos Estados fica comprometido, entretanto, pela qualidade diferenciada das informações de mortalidade de cada um. Os dados do Rio e de Pernambuco, por exemplo, são muito deficientes no que se refere ao município de moradia da vítima.
No caso fluminense, 947 mortos foram colocado como "município ignorado". O mesmo ocorreu com 212 dos assassinados pernambucanos. Em São Paulo isso só ocorreu com oito vítimas.
De qualquer modo, mesmo que as informações de Rio e Pernambuco fossem mais precisas, a situação de ambos no ranking não melhoraria -ao contrário.
O mesmo não se pode dizer de outros Estados, onde a deficiência dos dados de mortalidade se apresenta de outra forma: há um número muito grande de mortes por causa mal-definida ou ignorada, que podem ocultar casos de assassinato. A Bahia é um exemplo.
Descontadas falhas de informação, a evolução do número permite algumas conclusões. A mais importante é que o país sofre uma epidemia de violência -cujo retrato seria mais dramático se os dados fossem melhores.
De 1979 até 1997, o número de brasileiros assassinados saltou de 11.194 para 40.472, crescimento de 262%. No mesmo período, a população aumentou 65%.
Como resultado, a taxa de homicídio do país mais do que dobrou: passou de 11,7 por 100 mil habitantes para 25,4/100 mil. Não se pode alegar que esse seja mais um fenômeno global. Nos EUA -o mais violento dos países desenvolvidos-, a tendência foi oposta: a taxa caiu de 9,9/100 mil em 1979 para 9,4/100 mil em 1994.
Os dados não permitem conclusões definitivas sobre os motivos, mas algumas hipóteses são mais prováveis: urbanização acelerada, desigualdades sociais muito agudas, disseminação do crime organizado (quadrilhas de traficantes e esquadrões da morte) e a chamada "onda jovem".
De todos as possíveis causas, essa última é a única sobre a qual não há o que fazer. Trata-se de um fenômeno demográfico: a maior geração de brasileiros que já houve está em plena adolescência, adentrando a juventude.
Não por coincidência os jovens formam o grupo mais sujeito a sofrer e cometer assassinatos. Se o seu contingente cresce em relação ao total da população, aumenta a chance de a violência aumentar também. Assim como ocorre o oposto quando a proporção de jovens diminui -como aconteceu em Nova York nos últimos anos.
Porém o efeito da "onda jovem" só se torna violento se as condições "ambientais" forem propícias. Isto é: se o jovem morar em região onde falta perspectiva de ascensão social, há facilidade de contato com as drogas e a criminalidade e onde a exclusão causa a desagregação familiar.
Causas isoladas, como a pobreza e a falta de acesso à saúde e à educação, por exemplo, não explicam a violência -ou as maiores taxas estariam nas pequenas cidades do interior do Nordeste.
O ranking elaborado pela Folha mostra o contrário: a epidemia é mais grave em algumas das metrópoles mais ricas do país.
No caso de São Paulo, a epidemia parece se irradiar desde a capital. Tomando-se as maiores cidades, a taxa de homicídio tende a diminuir à medida que aumenta a distância da área metropolitana.
Assim, ao longo do Vale do Paraíba, Jacareí, a 68 km, é a 29ª mais violenta cidade do país; São José dos Campos, a 97 km, é a 93ª; Taubaté, a 134 km, é a 476ª.
A mesma lógica, porém, já não vale para Pernambuco. Lá, as 28 das 100 mais violentas cidades brasileiras estão localizadas em regiões distantes ou próximas de Recife e de características tão diversas quanto a sertaneja Serra Talhada e a litorânea Olinda.
No Rio e no Espírito Santo, a epidemia se concentra na capital e no seu entorno. Em ambos os casos, as causas parecem ser potencializadas pelo crime organizado.

Há diferenças: no Rio as mortes estão associadas a disputas de quadrilhas do tráfico de drogas, enquanto no caso capixaba os assassinatos em série são cometidos por um esquadrão da morte.
Os motivos variam de lugar a lugar, o que dificulta entender por que um município com o mesmo tamanho, condições socioeconômicas semelhantes e não muito distante tem uma taxa de homicídio 58 vezes maior do que outro.
São os casos de Ribeirão Preto (SP) e Uberlândia (MG). A primeira teve 175 de seus 463 mil moradores assassinados em 1997. Na segunda, apenas 51 dos 457 mil habitantes foram mortos em 1997 (mesmo número de 1996).
Pelos dados do Censo de 1991, Ribeirão ficou em 6º lugar no ranking dos municípios com melhor qualidade de vida. Seu Índice de Desenvolvimento Humano foi de 0,825. Na mesma classificação, Uberlândia acabou em 101º lugar, com um IDH de 0,795. Considerando-se que eram cerca de 4.500 municípios, as duas cidades ficaram próximas: o IDH de Ribeirão foi apenas 4% maior.
No ranking da violência, entretanto, a distância entre elas ficou muito maior. E as duas cidades estão a menos de 300 km uma da outra.
(JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO)



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