|
Lazer barato reduz 53% das
mortes no miolo do Jd. Ângela
População
da região mais violenta de São Paulo se mobiliza, pressiona
o poder público e consegue a implantação de parque
ecológico, quadras de
esportes e postos da polícia, o que provoca a
queda no número de assassinatos
MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local
Bastam dois palitinhos,
como se diz na periferia, para amenizar o drama da violência na
zona sul em São Paulo. Dois palitinhos, segundo a malandragem,
é quando é fácil dar um jeito num problema. Os dois
palitinhos foram alguns equipamentos urbanos instalados no miolo do Jardim
Ângela, distrito que ocupa o topo do ranking de homicídios
e é o mais persistente clichê da violência em São
Paulo: um parque ecológico, dois postos policiais e duas quadras
de esporte. Não se sabe se é por causa deles, mas o número
de homicídios está em queda por lá.
De janeiro a outubro do ano passado, o miolo do Jardim Ângela, onde
se concentravam as mortes, contabilizou 88 homicídios. Com a abertura
de duas quadras (em setembro de 1998) e de dois postos policiais (um mês
depois), o número de homicídios caiu 53,4% nos dez meses
seguintes. Foram 41 assassinatos entre novembro de 1998 e agosto último.
"Não há mágica. É só a gente chegar
que a malandragem foge para outro canto", diz o sargento David Monteiro
da Conceição, que comanda uma base comunitária da
PM no Jardim Ângela.
A má notícia é que estão crescendo os homicídios
em áreas do Jardim Ângela que eram relativamente tranquilas.
É o crime extravasando para as bordas, onde a presença do
Estado é igual a zero.
Em áreas fora do raio de alcance das bases da PM, os homicídios
aumentaram 77,6%. Foram 107 de janeiro a outubro de 1998, contra 190 nos
dez meses seguintes.
As pequenas iniciativas do Estado são consequência de cobranças
feitas por entidades da região. A melhor notícia, junto
com a queda de homicídios, é que há uma nova mentalidade
ali: é a idéia de que a própria população
pode ajudar a reduzir o crime.
Pipocam iniciativas em todas as frentes. A mais forte delas funciona como
uma guarda-chuva que reúne mais de uma dezena de organizações
não-governamentais: o Fórum em Defesa da Vida.
Criado em 1996, o fórum agrega entidades da Igreja Católica,
escolas, sociedades de amigos de bairro, associação de comerciantes
e representantes das duas polícias.
Foi por iniciativa do fórum que pelo menos uma dúzia de
quadras, todas em escolas, passaram a funcionar à noite. Foi por
sugestão do fórum que a PM instalou duas bases comunitárias.
Foi, finalmente, pelas críticas apresentadas pelo fórum
que o parque ecológico reverteu o que era um projeto para a elite,
no qual havia até palco flutuante, em espaço mais popular.
"Essas pequenas iniciativas dão resultado. A violência
está diminuindo na região", diz o padre Jaime Crowe,
da paróquia Santos Mártires, que integra o fórum.
Os investimentos ali beiram o ridículo. Os gastos com quadras e
postos policiais não atingem R$ 50 mil. O Parque Ecológico
do Guarapiranga, feito pelo governo Covas, é a mais cara das obras.
Custou R$ 10,6 milhões -menos de um quarto do valor que Covas gastou
com o Complexo Cultural Júlio Prestes (R$ 45 milhões).
Inaugurado em abril à beira da represa de Guarapiranga, tem trilhas,
viveiros, um campo de futebol, duas quadras e brinquedos.
O espaço para esportes foi tão subestimado que o governo
está fazendo mais três campos.
Tráfico
Antes, era o tráfico quem oferecia opções de lazer
no Jardim Ângela. Uma gangue chamada "A Firma", mesmo
nome de um livro de John Grisham, reunia até 4.000 pessoas em shows
de pagode.
As experiências no Jardim Ângela mostram que há até
uma equação que aponta o que funciona e o que não
funciona lá.
As duas quadras de esporte feitas pela prefeitura estão semi-abandonadas.
Sem monitores para organizar as atividades, foi tomada pelo tráfico.
Já a quadra da Escola Municipal Oliveira Viana é uma usina
de atividades. Há jogos o dia todo, aulas de capoeira, de dança
e campeonatos de futebol, de basquete e até de grafite, batizado
de Ângela 2000. Como não há portão, a quadra
é usada até de madrugada.
A diferença entre a quadra da escola e a da prefeitura é
o envolvimento da comunidade. "Quando não há participação
da comunidade, não funciona", diz Lucila Pizani Gonçalves,
do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo
Limpo.
Até a polícia assimilou a boa nova. O sargento Davi explica
o método. "Antigamente, a gente batia, era processado e não
dava resultado. Agora, explicamos as razões da violência
nas escolas e os homicídios estão diminuindo."
O método tem um inconveniente, segundo o sargento: não atinge
os mais velhos. "O combate à violência tem de ser feito
com jovens e adolescentes. Tem uma geração condenada. Esses
aí estamos esperando morrer. Não vamos trabalhar para bandido.
Vamos trabalhar para os jovens não virarem bandidos". Parece
filosofia de botequim, mas funciona.
|