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O jornalista e o estilo Francis
LUÍS NASSIF
Havia o jornalista Paulo Francis e o estilo Francis. Graças ao
brilho do jornalista, a partir dos anos 80, o estilo Francis tornou-se
a grande influência do jornalismo brasileiro. E aí se criou
uma situação paradoxal.
Em qualquer mídia do mundo, sua irreverência, furor desorganizado,
irresponsabilidade brilhante em relação aos fatos, suas
fantasias de inventar fontes e situações e de colecionar
modismos de maneira desestruturada tornariam-no personagem de destaque.
Paulo Francis nasceu para ser maldito e único. O problema é
que foi assimilado pelo ''establishment'' e passou a ser vários
_a multidão de clones que assumiu sua arrogância, sem herdar
o brilho.
Embora bem-sucedido, a ponto de se impor como padrão de marketing
da grande imprensa, o estilo Francis _não o jornalista_ ajudou
a descaracterizar o jornalismo.
Personagem dos 50
Francis inventou um personagem, misto do panfletarismo erudito-ligeiro
dos anos 50 com o deboche do Pasquim dos anos 70 e o marketing da mídia
dos anos 80.
A subordinação da notícia ao show, a supervalorização
dos aspectos menos relevantes, o maniqueísmo, a busca do detalhe
picante em detrimento da visão estruturada do fato, a intolerância
e o absoluto desprezo por terceiros, a menção a defeitos
físicos ou características psicológicas deixaram
de ser sátira _como eram em Francis_ para se transformar em padrão.
Cada vez mais, a notícia passou a ser meramente uma coadjuvante,
para permitir ao jornalista exercer seu brilho.
Esgotamento
O jornalista Francis morre quando o estilo Francis começa a se
esgotar.
Depois da fase da adolescência, a opinião pública
parece se cansar desse supérfluo. Há pressão maior
por conteúdo, por qualidade editorial, por rigor na apuração
dos fatos e na definição das manchetes. Principalmente por
respeito aos fatos e às pessoas e pela tolerância às
divergências.
Quem não entender rapidamente essa mudança dos ventos dança.
E a imprensa começou a se reciclar. Sempre haverá espaço
para homens-show talentosos, como Francis, mas não mais para o
padrão Francis de jornalismo.
No fundo, Francis parece ter sido o principal crítico da banalização
do seu estilo. Nos últimos anos, seu rancor extremado, sua posição
cada vez mais politicamente incorreta parecia o último deboche
contra a característica nacional que ele mais atacava: a macaquice.
No caso, dos que passaram a macaquear Francis.
Mídia e narciso
A coluna recebeu correspondência da leitora Ierecê Rego Beltrão,
de Camboriú (SC), a propósito do artigo ''A patota do Pasquim''.
Embora não compartilhe da desesperança da leitora em relação
a mudanças na mídia, publico um dos mais duros e competentes
diagnósticos que li, nos últimos tempos, sobre nós,
os jornalistas, e o jornalismo de marketing.
''Acredito que esperes demais de quem se propõe apenas a formar
opiniões (afirmações sem as certezas que a reflexão
e/ou a experiência podem assegurar e, mesmo assim, precariamente).''
''Os 'formadores de opiniões' talvez estejam fazendo rigorosamente
o que se espera deles. É a nossa sede, a nossa fúria, a
nossa fome que exigem mais que isso. E aí termina-se fabricando
o desejo de uma outra categoria de mídia, capaz de pensar e de
levar a pensar.''
''Me pergunto se exigir e instituir o pensamento rigoroso, crítico,
lúcido e coerente na mídia não será querer
inventar o oposto da mídia. Marketeiros de tendências os
jornalistas têm sido, com raras exceções. E não
porque se enganem ou se equivoquem naquilo que pensam, mas exatamente
porque nem pensam; vão agregando idéias 'novas' a cada dia
ao seu acervo.''
''Ridiculamente ecléticos, talvez eles nem defendam nada a não
ser sua posição de supérfluos remunerados. Seu compromisso
é com o espelho e a imagem que este pode lhes devolver. Narcisos
profissionais, esperar deles algo que não seja esse trabalho de
projetar-se a si mesmo pelas idéias é temerário.''
''O oposto disso, isto é, os que projetam idéias usando
um nome, uma posição, um espaço conquistado são
raros. E são os antimídia. Talvez seja o que desejamos.
Mas, de novo, estamos lutando contra a corrente.''
A propósito, anote o nome da autora.
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