São Paulo, 9 de Fevereiro de 1997


O jornalista e o estilo Francis


LUÍS NASSIF

Havia o jornalista Paulo Francis e o estilo Francis. Graças ao brilho do jornalista, a partir dos anos 80, o estilo Francis tornou-se a grande influência do jornalismo brasileiro. E aí se criou uma situação paradoxal.
Em qualquer mídia do mundo, sua irreverência, furor desorganizado, irresponsabilidade brilhante em relação aos fatos, suas fantasias de inventar fontes e situações e de colecionar modismos de maneira desestruturada tornariam-no personagem de destaque.
Paulo Francis nasceu para ser maldito e único. O problema é que foi assimilado pelo ''establishment'' e passou a ser vários _a multidão de clones que assumiu sua arrogância, sem herdar o brilho.
Embora bem-sucedido, a ponto de se impor como padrão de marketing da grande imprensa, o estilo Francis _não o jornalista_ ajudou a descaracterizar o jornalismo.

Personagem dos 50
Francis inventou um personagem, misto do panfletarismo erudito-ligeiro dos anos 50 com o deboche do Pasquim dos anos 70 e o marketing da mídia dos anos 80.
A subordinação da notícia ao show, a supervalorização dos aspectos menos relevantes, o maniqueísmo, a busca do detalhe picante em detrimento da visão estruturada do fato, a intolerância e o absoluto desprezo por terceiros, a menção a defeitos físicos ou características psicológicas deixaram de ser sátira _como eram em Francis_ para se transformar em padrão.
Cada vez mais, a notícia passou a ser meramente uma coadjuvante, para permitir ao jornalista exercer seu brilho.

Esgotamento
O jornalista Francis morre quando o estilo Francis começa a se esgotar.
Depois da fase da adolescência, a opinião pública parece se cansar desse supérfluo. Há pressão maior por conteúdo, por qualidade editorial, por rigor na apuração dos fatos e na definição das manchetes. Principalmente por respeito aos fatos e às pessoas e pela tolerância às divergências.
Quem não entender rapidamente essa mudança dos ventos dança. E a imprensa começou a se reciclar. Sempre haverá espaço para homens-show talentosos, como Francis, mas não mais para o padrão Francis de jornalismo.
No fundo, Francis parece ter sido o principal crítico da banalização do seu estilo. Nos últimos anos, seu rancor extremado, sua posição cada vez mais politicamente incorreta parecia o último deboche contra a característica nacional que ele mais atacava: a macaquice. No caso, dos que passaram a macaquear Francis.

Mídia e narciso
A coluna recebeu correspondência da leitora Ierecê Rego Beltrão, de Camboriú (SC), a propósito do artigo ''A patota do Pasquim''.
Embora não compartilhe da desesperança da leitora em relação a mudanças na mídia, publico um dos mais duros e competentes diagnósticos que li, nos últimos tempos, sobre nós, os jornalistas, e o jornalismo de marketing.
''Acredito que esperes demais de quem se propõe apenas a formar opiniões (afirmações sem as certezas que a reflexão e/ou a experiência podem assegurar e, mesmo assim, precariamente).''
''Os 'formadores de opiniões' talvez estejam fazendo rigorosamente o que se espera deles. É a nossa sede, a nossa fúria, a nossa fome que exigem mais que isso. E aí termina-se fabricando o desejo de uma outra categoria de mídia, capaz de pensar e de levar a pensar.''
''Me pergunto se exigir e instituir o pensamento rigoroso, crítico, lúcido e coerente na mídia não será querer inventar o oposto da mídia. Marketeiros de tendências os jornalistas têm sido, com raras exceções. E não porque se enganem ou se equivoquem naquilo que pensam, mas exatamente porque nem pensam; vão agregando idéias 'novas' a cada dia ao seu acervo.''
''Ridiculamente ecléticos, talvez eles nem defendam nada a não ser sua posição de supérfluos remunerados. Seu compromisso é com o espelho e a imagem que este pode lhes devolver. Narcisos profissionais, esperar deles algo que não seja esse trabalho de projetar-se a si mesmo pelas idéias é temerário.''
''O oposto disso, isto é, os que projetam idéias usando um nome, uma posição, um espaço conquistado são raros. E são os antimídia. Talvez seja o que desejamos. Mas, de novo, estamos lutando contra a corrente.''
A propósito, anote o nome da autora.



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