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Papel de Almeida Salles na cultura brasileira começa a ser reavaliado
RUDÁ DE ANDRADE
especial para a Folha
Na última sexta-feira, aos 84 anos, morreu Francisco Luiz de Almeida
Salles, o "Presidente", como era conhecido pelos amigos.
O apelido veio-lhe pelas acumulações de presidências
exercidas ao longo de sua vida.
Presidia entidades, júris, comissões, reuniões, debates,
o que viesse. Não por vontade própria, mas porque o queriam,
o exigiam: pela sua capacidade de expositor, redator e legislador; pela
sua competência conciliatória; pela tranquilidade e otimismo
que imprimia às reuniões; por ser pródigo e leal.
Durante 50 anos foi presidente da Cinemateca Brasileira em seus vários
formatos jurídicos, desde sua origem como Clube de Cinema de São
Paulo, terminando como presidente de honra do atual conselho da instituição.
Outro recorde foram as décadas de presidência da Associação
dos Amigos do Museu de Arte Moderna, o barzinho do MAM.
A presença do Almeida Salles sempre foi cativante. Todos o queriam
por perto: no trabalho, nos eventos, no convívio social. Fosse
em Paris, Veneza, Roma, Rio, São Paulo ou tantos outros lugares
que frequentou, a mesa do bar escolhida por ele seria a privilegiada.
O Presidente não exagerava nas falas ou discursos. Entrava no momento
certo para fazer alguma observação, emitir algum pensamento
ou comentário elucidativo, expondo discretamente sua grande erudição.
Às vezes, apenas um trecho de suas poesias.
Sempre deixava as reuniões fluírem, especialmente no bar
do MAM. Ouvia a todos com a mesma atenção, sem preconceitos,
deixando cada um à vontade.
Fosse o mais simples e mal informado dos mortais, fossem os intelectuais,
políticos ou empresários de primeira linha, como tantos
amigos com os quais conviveu:
Burle Marx, Ulysses, Montoro, Glauber, Vinícius, Santiago Dantas,
Luiz Coelho, Cicillo, Cavalcanti, Lewgoy, Paulo Emílio, Oswald,
Lauro Escorel, Augusto de Campos, Di, Noêmia, Lívio Xavier,
Lígia, Sérgio Milliet, Ruy Coelho, Benedito Duarte, Sérgio
Buarque, Aldemir, Luiz Martins, Cícero Dias, Saraceni, Clóvis
Graciano, Person, Flávio de Carvalho.
Isso sem falar de seus amigos mais próximos ou até dos distanciados
como o "meu mendigo", como nomeava um sem-teto que dele recebia
religiosamente, todas as noites, algumas moedas numa calçada próxima
à sua residência, na praça da República.
Almeida Salles foi crítico e ensaísta cinematográfico.
Além dos muitos antigos esparsos publicados, escreveu diariamente
nos jornais "Diário de S.Paulo e "O Estado de S.Paulo",
em boa parte dos anos 40 e na década de 50.
Em 1988 publicou "Cinema e Verdade", coletânea de críticas
coordenada por Carlos Augusto Calil (Companhia das Letras).
O cinema, apesar da importância que teve em sua vida e da contribuição
que deixou nesse campo, foi apenas uma das faces do Almeida Salles. Chegou
a dizer que não se sentia um especialista nessa matéria,
embora saibamos que o foi.
Nascido em Jundiaí, Almeida Salles mudou-se para São Paulo,
onde cursou o Ginásio do Estado.
Tomou parte na Revolução de 32, contra Getúlio. Chegou
a participar do movimento integralista.
Católico, devoto de São Francisco, dava a impressão
de concorrer com este, pela excessiva generosidade, tolerância,
paciência e altruísmo. Essa convicção não
o impedia de partilhar sua amizade com ateus, radicais de esquerda ou
o que fosse. Era um verdadeiro democrata, um civilizado.
Em 38, diplomou-se em direito na São Francisco. Em 39, ingressou
para o serviço público, onde chegaria a procurador do Estado.
Mas sua formação intelectual foi basicamente literária
e filosófica.
No início dos anos 40, frequentando a Faculdade de Filosofia, para
assistir às aulas dos professores estrangeiros então em
São Paulo, ligou-se ao grupo formado por Décio de Almeida
Prado, Paulo Emílio, Antônio Cândido, entre outros,
participando da revista "Clima" e do primeiro Clube de Cinema
de São Paulo, fundado por Paulo Emílio.
Deixou um livro de poesia "Espelho da Sedução"
(Art Editora).
Foi diplomata, como adido cultural na embaixada brasileira em Paris. Foi
professor, orador, expositor. Entretanto, uma de suas maiores qualidades
era a da conversa informal. Sabia ouvir e estimular os parceiros de prosa.
Sua participação, generosa e desinteressada, contribuiu
para a consolidação de muitas iniciativas importantes.
Entre os beneficiários desse trabalho de bastidor, lembramos a
primeira fase do Museu de Arte Moderna de SP, a Vera Cruz, a Bienal, o
cinema novo, a formação e evolução de velhos
e jovens cineastas, pintores, escritores.
A presença de Almeida Salles em tantos eventos e circunstâncias
do nosso desenvolvimento cultural muitas vezes não foi devidamente
registrada.
Estou certo de que sua contribuição para o desenvolvimento
cultural brasileiro foi notável e mereceria um levantamento metódico,
para termos um panorama mais lúcido de nossa história cultural.
RUDÁ DE ANDRADE
é um dos fundadores da Cinemateca Brasileira
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