São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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Eleições 2006

Serra

CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele abomina o gerúndio como resposta. E, na Prefeitura de São Paulo, baniu expressões como "viabilizar", "logradouro" e "munícipe". Líder nas pesquisas de intenção de votos, o candidato do PSDB ao governo paulista, José Serra, é adepto do antitucanês reloaded.
Só não dispensa um eufemismo ao se descrever. O ex-prefeito de São Paulo se apresenta como "obstinado, curioso e diligente". Seus mais fiéis colaboradores traduzem: obcecado, perturbador e perfeccionista.
Serra também reconhece: é "um pouco impaciente". Que o digam seus subordinados.
Generoso na delegação de poder e objetivo na fixação de prioridades, é implacável na cobrança de resultados, a ponto de constranger publicamente um assessor se insatisfeito.
Pobre Walter Feldman, secretário de Subprefeitura na gestão Serra. Lado ao lado, num palanque em Itaquera, ouviu o chefe acusá-lo de falta de dedicação no combate à poluição. "Ele me destruiu várias vezes", lembra Feldman, numa referência às exigências do chefe. "Agüente, Feldman. Você vai ser outro depois dessa experiência", repetia, imodestamente, Serra.
Outro exemplo? Em março do ano passado, Serra determinou que um helicóptero buscasse a então secretária de Serviços, Maria Helena Orth, para uma reunião com subsecretários na Zona Leste. Convocada, Orth alegara dificuldade para chegar a São Miguel Paulista.
Em outra, também com subprefeitos, Serra divulgou o próprio número do telefone após Orth argumentar que não tinha tempo para atendê-los. Ela foi demitida em maio de 2005.

Sem "trololó"
Avesso a evasivas - a que chama de "trololó" - Serra é capaz de interromper um assessor ao perceber que não tem as respostas que procura. Foi o que fez com o secretário de Assistência Social, Floriano Pesaro, após uma sabatina sobre renda mínima. "Secretário, estude o assunto e volte", recomendou a Floriano, que, ainda assim, e a exemplo de Feldman, descreve como estimulante o trabalho com o ex-prefeito: "Éramos felizes", diz.
Numa reunião, ele já telefonou para a central de atendimento da Prefeitura, diante de toda a equipe, para testar a qualidade de serviço. Em outra, suspendeu a audiência para, de helicóptero, confirmar se uma obra cumpria o ritmo descrito há pouco por um secretário.
"É muito difícil enrolar Serra. Ele tem aquele famoso "por quê?", afirma o secretário de Governo, Aloysio Nunes Ferreira, ele mesmo flagrado pelo ex-prefeito. "Serra brigou comigo porque terceirizei a redação de uma nota. Reconheceu diferenças no estilo", conta.
Serra pode ser cortante quando um subordinado é pouco objetivo. "Meu problema é o tédio", confessa o candidato.
Se decepcionado, submete o auxiliar a dolorosa fritura, começando pelo esvaziamento de suas atribuições. Foi assim com o ex-secretário de Esporte Marcos Tortorello: perdeu a administração do autódromo para a SPTuris e os centros municipais para a Educação. Depois, se demitiu.
Contrariado com um desempenho de um secretário, pode recorrer diretamente a um de seus subordinados em busca de respostas. Econômico nos elogios, premia os bem-sucedidos com mais trabalho.
Filho único de um imigrante italiano com uma filha de imigrantes, Serra exige dedicação integral de sua equipe. À frente do Ministério da Saúde (1998 a 2002), chegou a propor que o secretário de Assistência à Saúde, Renilson Rehem, usasse um celular exclusivamente para atendê-lo. Fosse no Planejamento (de 1995 a 1996) ou na Saúde, preferia que os assessores não deixassem Brasília nos fins de semana.
Num bilhete, recomendou até que Rehem desistisse, na véspera do embarque, de um congresso em Paris. Como o ministério enfrentou crise durante sua ausência, Rehem foi recepcionado com um "não falei que essa viagem seria um desastre?". "Mas nem foi no meu departamento", reagiu Rehem.

Política
Além de cebola e alho, Serra não digere as desilusões políticas. "Ele não perdoa deslealdade", afirma o líder do PSDB na Câmara e amigo, Jutahy Magalhães Jr. (BA). Ex-presidente da UNE, exilado no Chile - onde concluiu o mestrado em economia -, e duas vezes deputado, Serra concorreu a seis cargos majoritários nos últimos 20 anos. Colecionou desafetos no caminho, sendo Ciro Gomes (PSB) um deles.
Mas, além de demonstrações de solidariedade aos aliados, Serra - o beligerante - reserva surpresas. Já abordou o ator José Mayer num aeroporto só para apresentá-lo a assessoras. Também perseguiu um grafiteiro pelas ruas de São Paulo às 2h da madrugada. Ele, o secretário Andrea Matarazzo e suas mulheres voltavam do cinema. Estavam na Heitor Penteado.
"Pare o carro", gritou Serra, que, ao alcançar o pichador, fez um interrogatório para saber suas motivações.
Mesmo com um prodigioso poder de concentração, consegue ser distraído o bastante para perceber, apenas 15 minutos depois, que entrou na embaixada errada para um almoço em Washington.

Família
O ar retraído se esvai na companhia dos filhos Verônica (37) e Luciano (33). Ele se derrete pelo neto, Antônio (3). Na semana passada -quem diria?- foi "o Lu" quem escolheu sua gravata para o debate na Globo. Idolatrado por três tias -até do ponto de vista estético- visita a mãe, Serafina, 90, pelo menos uma vez por semana.
Serra é dono de hábitos extravagantes. Para aliviar a tensão, costuma fazer esteira de madrugada, mas não come para evitar mal-estar pela manhã. E é verdade: colocou uma cama no banheiro da Prefeitura de São Paulo, para passar mais tempo no trabalho.
Hoje, aos 64 anos -39 deles ao lado da mulher, Mônica- Serra sua nas mãos de Geraldo, seu personal trainer. Também se submete a sessões de acupuntura e massagem. Adora quando elogiam seu perfil. Mas sua preocupação com as marcas do tempo vai além da vaidade. Vai até 2010. "Estou abatido na TV?", pergunta. É preciso estar em forma para a corrida presidencial.


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