São Paulo, domingo, 02 de março de 2008

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Confronto e calmaria

Efeméride é marcada pelo sucesso de obras acessíveis ao público leigo e pela publicação de cartas e diários

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

O subtítulo do livro "1808", do jornalista Laurentino Gomes, sobre os 200 anos da chegada da família real portuguesa diz o seguinte: "Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil". Sensacionalista? Sim, um tanto. Mas há que se concordar que a formulação não contém nenhuma inverdade histórica.
A obra tornou-se o maior fenômeno editorial recente do mercado brasileiro, com 250 mil cópias vendidas de setembro até agora por aqui. Uma recém-lançada versão portuguesa já está na segunda edição.
Apesar do subtítulo, o livro não se prende a futricas palacianas. Tampouco é apelativo no tom da narrativa. Trata-se de uma grande reportagem, a partir de bibliografia historiográfica já conhecida, escrita com linguagem fácil para atingir leitores de diferentes níveis de familiaridade com o tema.
Por que, então, insistir num subtítulo propagandístico assim? "Se eu pusesse: "1808 -°Novas Dimensões" como fazem os historiadores, o livro não venderia nada", diz Gomes.
O exemplo do sucesso de "1808" expõe uma das duas principais características das comemorações do bicentenário da viagem de dom João 6º.
A primeira é a constatação do crescimento do interesse do público em geral, e não só o acadêmico, pela história do Brasil. Esse filão foi aberto há alguns anos com a chegada ao mercado de várias revistas de história e biografias de figuras do passado voltadas ao público leigo.
Agora, esse fenômeno pode ser confirmado pela curiosidade despertada por livros sobre personagens relacionados ao Brasil monárquico. A biografia "D. Pedro 1º - Um Herói Sem Nenhum Caráter", de Isabel Lustosa, vendeu 11,5 mil cópias. "D. Pedro 2º - Ser ou Não Ser", de José Murilo de Carvalho, 28 mil. E, ainda, pela busca por narrativas da viagem imperial ricas em detalhes, como "Império à Deriva", do australiano Patrick Wilcken, que vendeu mais de 14 mil exemplares.
A segunda característica é o ampliado interesse, dentro e fora da academia, por obras que divulgam fontes primárias, como cartas, diários e descrições de época sobre o cotidiano.

Documentos menores
A historiadora Francisca Azevedo, que organizou a correspondência de Carlota Joaquina, acha que "hoje se dá mais importância a cartas para reconstruir o passado. São consideradas instrumentos políticos. No passado, os historiadores costumavam desprezá-las, por achar que eram documentos menores."
O fato de livros de história escritos por jornalistas terem virado hits editoriais nos últimos tempos ajudou a abrir os olhos dos historiadores para a necessidade de escreverem de modo mais fácil para a compreensão dos que não são especialistas.
Nesse sentido, o fenômeno Eduardo Bueno, com seus best-sellers sobre o descobrimento e o Brasil dos séculos 16 e 17, lançados no começo da década, teve importante contribuição.
Para Azevedo, "a universidade está fazendo uma autocrítica, os historiadores sabem que é importante fazer algo mais palatável, light. Antes era bacana escrever mostrando erudição. Não dá mais pra ser assim".
No caso específico do episódio da vinda da corte ao Brasil, a contribuição do olhar estrangeiro tem sido importante. O livro de Wilcken e "Versalhes Tropical", de Kirsten Schultz (a ser lançado aqui em maio), são alguns exemplos de livros "com começo, meio e fim", que tratam de um episódio sem desprezar as discussões teóricas pertinentes a ele.
"Há uma tradição anglo-saxã de narrativas de não-ficção baseadas em pesquisas sólidas, mas escritas de modo acessível. Isso só começou a crescer no Brasil recentemente", diz Wilcken. Já para o autor de "1808", os historiadores hoje estão se libertando da tradição marxista "que colaborou em muitos aspectos, mas tornou a história do Brasil chatérrima de se ler".
O professor da USP Pedro Puntoni acha que a celebração dos 200 anos, como toda efeméride, fez com que surgisse uma pressão legítima da sociedade para que a academia produza algo novo sobre o assunto. "Tem havido uma expansão do conhecimento lentamente acumulado em obras de divulgação ou orientadas para um público amplo. Isso é interessante e deve resultar numa releitura em duas dimensões."

Por que celebrar
A efeméride que se comemora no próximo dia 7 teve importância capital na construção do Brasil que conhecemos hoje.
Tudo começou em 1807. Pressionado pela Inglaterra, que queria abrir os portos daqui para seus produtos, e ameaçado pela França napoleônica, que se expandia a passos largos pela Europa, dom João 6º aceita o plano arquitetado pelo conselheiro dom Rodrigo de Sousa Coutinho e resolveu mudar a corte do Império Português para o Brasil. Entre 1808 e 1821, dom João mudou a cara do Rio e da colônia (leia a seguir) e deixou no Brasil o filho Pedro, que declararia a independência do país em 1822.


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