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Confronto e calmaria
Efeméride é marcada pelo sucesso de obras acessíveis ao público leigo e pela publicação de cartas e diários
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
O subtítulo do livro "1808",
do jornalista Laurentino Gomes, sobre os 200 anos da chegada da família real portuguesa
diz o seguinte: "Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a
história de Portugal e do Brasil". Sensacionalista? Sim, um
tanto. Mas há que se concordar
que a formulação não contém
nenhuma inverdade histórica.
A obra tornou-se o maior fenômeno editorial recente do
mercado brasileiro, com 250
mil cópias vendidas de setembro até agora por aqui. Uma recém-lançada versão portuguesa já está na segunda edição.
Apesar do subtítulo, o livro
não se prende a futricas palacianas. Tampouco é apelativo
no tom da narrativa. Trata-se
de uma grande reportagem, a
partir de bibliografia historiográfica já conhecida, escrita
com linguagem fácil para atingir leitores de diferentes níveis
de familiaridade com o tema.
Por que, então, insistir num
subtítulo propagandístico assim? "Se eu pusesse: "1808
-°Novas Dimensões" como fazem os historiadores, o livro
não venderia nada", diz Gomes.
O exemplo do sucesso de
"1808" expõe uma das duas
principais características das
comemorações do bicentenário da viagem de dom João 6º.
A primeira é a constatação do
crescimento do interesse do
público em geral, e não só o acadêmico, pela história do Brasil.
Esse filão foi aberto há alguns
anos com a chegada ao mercado de várias revistas de história
e biografias de figuras do passado voltadas ao público leigo.
Agora, esse fenômeno pode
ser confirmado pela curiosidade despertada por livros sobre
personagens relacionados ao
Brasil monárquico. A biografia
"D. Pedro 1º - Um Herói Sem
Nenhum Caráter", de Isabel
Lustosa, vendeu 11,5 mil cópias.
"D. Pedro 2º - Ser ou Não Ser",
de José Murilo de Carvalho, 28
mil. E, ainda, pela busca por
narrativas da viagem imperial
ricas em detalhes, como "Império à Deriva", do australiano
Patrick Wilcken, que vendeu
mais de 14 mil exemplares.
A segunda característica é o
ampliado interesse, dentro e
fora da academia, por obras que
divulgam fontes primárias, como cartas, diários e descrições
de época sobre o cotidiano.
Documentos menores
A historiadora Francisca
Azevedo, que organizou a correspondência de Carlota Joaquina, acha que "hoje se dá
mais importância a cartas para
reconstruir o passado. São consideradas instrumentos políticos. No passado, os historiadores costumavam desprezá-las,
por achar que eram documentos menores."
O fato de livros de história escritos por jornalistas terem virado hits editoriais nos últimos
tempos ajudou a abrir os olhos
dos historiadores para a necessidade de escreverem de modo
mais fácil para a compreensão
dos que não são especialistas.
Nesse sentido, o fenômeno
Eduardo Bueno, com seus best-sellers sobre o descobrimento e
o Brasil dos séculos 16 e 17, lançados no começo da década, teve importante contribuição.
Para Azevedo, "a universidade está fazendo uma autocrítica, os historiadores sabem que
é importante fazer algo mais
palatável, light. Antes era bacana escrever mostrando erudição. Não dá mais pra ser assim".
No caso específico do episódio da vinda da corte ao Brasil, a
contribuição do olhar estrangeiro tem sido importante. O livro de Wilcken e "Versalhes
Tropical", de Kirsten Schultz (a
ser lançado aqui em maio), são
alguns exemplos de livros "com
começo, meio e fim", que tratam de um episódio sem desprezar as discussões teóricas
pertinentes a ele.
"Há uma tradição anglo-saxã
de narrativas de não-ficção baseadas em pesquisas sólidas,
mas escritas de modo acessível.
Isso só começou a crescer no
Brasil recentemente", diz Wilcken. Já para o autor de "1808",
os historiadores hoje estão se
libertando da tradição marxista
"que colaborou em muitos aspectos, mas tornou a história
do Brasil chatérrima de se ler".
O professor da USP Pedro
Puntoni acha que a celebração
dos 200 anos, como toda efeméride, fez com que surgisse
uma pressão legítima da sociedade para que a academia produza algo novo sobre o assunto.
"Tem havido uma expansão do
conhecimento lentamente
acumulado em obras de divulgação ou orientadas para um
público amplo. Isso é interessante e deve resultar numa releitura em duas dimensões."
Por que celebrar
A efeméride que se comemora no próximo dia 7 teve importância capital na construção do
Brasil que conhecemos hoje.
Tudo começou em 1807.
Pressionado pela Inglaterra,
que queria abrir os portos daqui para seus produtos, e ameaçado pela França napoleônica,
que se expandia a passos largos
pela Europa, dom João 6º aceita o plano arquitetado pelo
conselheiro dom Rodrigo de
Sousa Coutinho e resolveu mudar a corte do Império Português para o Brasil. Entre 1808 e
1821, dom João mudou a cara
do Rio e da colônia (leia a seguir) e deixou no Brasil o filho
Pedro, que declararia a independência do país em 1822.
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