São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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1966

Sexo, drogas e rock n´ roll

Título inglês traduz o espírito do período, de liberação sexual, mais direitos civis e relaxamento dos costumes

ESPECIAL PARA A FOLHA

O triunfo da seleção inglesa na Copa do Mundo de 1966 simboliza outra vitória muito mais importante: a da revolução que moldou o mundo tal como hoje o conhecemos.
Não aludo à Revolução Cultural que Mao Tsé-tung lançou naquele ano. Nem ao fato de, pouco antes, Leonid Brejnev ser guindado a líder soviético, numa nova etapa do intervencionismo comunista. Tampouco me refiro às autoproclamadas "revoluções" dos militares latino-americanos, que tomavam o poder na Argentina e se consolidavam no Brasil.
A conquista inglesa pode ser associada à grande revolução cultural do século 20, iniciada no mundo anglo-saxão -sobretudo nos EUA. Sua base foi a geração nascida durante ou logo após a Segunda Guerra.
Foi ela a responsável pela liberação sexual, pela vitória dos direitos civis, pelo relaxamento dos costumes e por minar a autoridade do "pater familia".
Seus ícones são bem conhecidos. Elvis Presley (1935-1977), que anunciava a grande virada, é um deles. Outro precursor foi J.D. Salinger (1919-2010), que, em "O Apanhador no Campo de Centeio" (1951), criticava o comodismo e o tédio que marcavam o americano comum.
A época da Copa-1966 teve outros marcos, como o lançamento de "Satisfaction" (1965), pelos Rolling Stones, e a publicação de "A Resposta Sexual Humana", de William Masters e Virginia Johnson, baseado em estudo sobre comportamento sexual do americano.
Em 1966, Timothy Leary, ex- -professor de Harvard, foi preso portando LSD, e Indira Gandhi se tornou premiê da Índia.
Como explicar tal revolução?
Sempre que busco a resposta, vem à minha mente a seguinte história, narrada em um livro de Norbert Elias (1897-1990).
Em novembro de 1944, a título de represália, os nazistas deportaram para um campo de concentração 452 camponeses da aldeia holandesa de Putten.
Elias observou que, no novo ambiente, aquelas pessoas mantiveram as regras aldeãs, trabalhando como antes, descansando quando consideravam justo, indignando-se com as normas do confinamento.
"Estando juntas, não conseguiam comportar-se de um modo que a opinião pública de sua aldeia pudesse reprovar. O controle mútuo automático dos aldeões não permitiu que eles adaptassem seus padrões de conduta às condições de vida de um campo de concentração", conclui o autor alemão.
Quase ninguém sobreviveu.
Constantemente identifico nos pais da geração que promoveu a incrível revolução dos anos 60 o mesmo comportamento dos camponeses de Putten -homens e mulheres presos a ideias que já não tinham mais sentido. Vitoriosos no campo de batalha, aqueles pais acreditavam na eternidade de seu tradicional modo de vida.
Seus filhos foram mais safos. Pareciam-se com personagens de "É Isto um Homem?", de Primo Levi (1919-1987), sobrevivente de Auschwitz.
Em um trecho do livro, o autor conta que, na gíria dos campos de concentração, dizia-se "morgen früh" -"amanhã de manhã" em alemão- para expressar a ideia de "nunca".
Eis a grande metáfora da geração que nos ensinou a encarar cada dia como se fosse o último.° (MANOLO FLORENTINO)

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