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LITERATURA
Escritores
divergem sobre
a velhice, que
seria o período
da liberdade
e da sabedoria
ou só uma fase
de decrepitude
que antecede
a morte
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Vale a pena viver muito?
Depende do livro que se lê
ANDRÉ SOLIANI
da Equipe de Trainees
"Feliz daquele que morreu novo", inscreviam os gregos antigos na lápide dos túmulos de jovens, poupados da velhice. E, no entanto, desejam-se, desde aqueles tempos, muitos anos de vida às pessoas queridas.
A contradição exprime um sentimento dúbio de quase todos os homens: o desejo da imortalidade, de viver mais um dia, e o temor das perdas e do tédio que acompanham o envelhecimento.
A incoerência surpreendeu o escritor italiano Paolo Mantegazza (1831-1910), que em seu livro "Elogio da Velhice" diz estranhar "que os homens desejam uns aos outros como supremo bem uma longa vida e que, quando a alcançam, a amaldiçoam".
Mantegazza se insere numa longa tradição literária de apologia à velhice, iniciada com o clássico texto de Cícero (106 a.C-43 a.C) "De Senectute" ("A Velhice"), escrito em 44 a.C.
As principais virtudes da velhice, nesses textos, são a sabedoria e a liberdade -já que nada mais se espera do idoso, ele pode fazer o que quiser. Para Cícero, a maior prova dos "bons julgamentos" do idoso está na existência do Senado, "assembléia de velhos".
Sobre a "irresponsabilidade" na velhice, o escritor irlandês Bernard Shaw (1856-1939) chegou a afirmar que, aos 60 anos, "entrou na segunda infância".
Essa espontaneidade defendida por Shaw é contestada pela escritora francesa Simone de Beauvoir (1908-86) no livro "A Velhice". As limitações físicas e financeiras e o ostracismo social tirariam do idoso o exercício de sua independência.
A essa sensação de ser colocado à margem do sistema soma-se a proximidade da morte, que também tolheria qualquer ambição. O tempo seria curto para novos planos.
De positivo, Beauvoir vê a audácia, que cresceria com a idade, já que diminuiria a preocupação com "o que os outros vão pensar". "Eles arriscam, cheios de indiferença, uma vida a que já não têm nenhum apego", escreveu.
Mais próximo de Beauvoir do que de Cícero, o jurista e senador vitalício italiano Norberto Bobbio (1909-), 88, publicou o seu "De Senectute" há dois anos. Para ele, a velocidade das transformações e do conhecimento no mundo moderno não permitem ao idoso, cuja capacidade intelectual diminui, acompanhar as novidades. A velhice seria a época da lentidão dos movimentos e do raciocínio. O conhecimento pertenceria ao jovem.
Cícero e Mantegazza, que escreveram seus tratados respectivamente aos 62 e 64 anos, não seriam considerados velhos por Bobbio. Hoje, ele diz, 60 anos é apenas um marco burocrático, quando muitos se aposentam.
O filósofo só percebeu a chegada da velhice aos 80 anos. Em 1989, com a queda do muro de Berlim e o fim pacífico da Guerra Fria, derrubou suas previsões catastróficas. Sentiu-se um homem do passado.
Quanto à morte, Bobbio, ateu, não tranquiliza seu leitor com visões do paraíso. O que entristece a velhice é a longa espera para chegar ao inevitável fim. A velhice dura muito, acreditaria o filósofo.
Outro ateu convicto, o pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), disse em uma das suas últimas entrevistas, aos 69 anos: "Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que o fardo que carregamos."
Vale a pena viver tanto? Depende da bibliografia escolhida.
O Tempo da Memória, de Norberto Bobbio, Ed. Campus (tel. 021/509-5340). 240 págs. R$ 31.90.
A Velhice, de Simone de Beauvoir, Ed. Nova Fronteira (tel.021/537-8770). 711 págs. R$ 40,00.
De Senectute, De Amicitia, De Divinatione, de Marcus Tullius Cícero, Harvard University Press. Versão em inglês. U$ 18.25. Encomendas via Internet: http://www.amazon.com
Elogio da Velhice, de Paulo Mantegazza. Editora Clássica (Lisboa). Não disponível no Brasil.
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