São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2007

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Padrão japonês encarece a TV digital

Julia Moraes/Folha Imagem
Consumidor observa imagem de TV digital em loja de São Paulo; televisor com conversor embutido está em falta no varejo


DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

A escolha do padrão japonês de TV digital encareceu o custo da nova tecnologia aos consumidores. A TV digital que começa a operar oficialmente hoje, em São Paulo, é boa para as redes de TV, mas não trouxe ganhos aos país previstos pelo governo quando anunciou sua escolha, meados de 2006.
Os investimentos de empresas japonesas não vieram, nem nossos vizinhos aderiram ao padrão escolhido, o que não permitiria produção em grande escala, barateando os produtos aos consumidores. Isso pode comprometer o futuro da TV digital.
Especialistas ouvidos pela Folha apontam o padrão japonês como o responsável pelo conversor de TV digital a mais de R$ 500. Esse conversor, que ainda não oferece interatividade nem alta definição, foi prometido pelo governo federal, há um ano e meio, a R$ 200. Começou a ser vendido nas lojas na semana passada, porém não havia estoque para pronta-entrega. Os aparelhos mais sofisticados chegam a R$ 1.100.
"Se não houver medidas para viabilizar conteúdos atrativos à população e, mais do que isso, conversores e televisores a baixo custo, a televisão digital pode se tornar um grande fracasso", afirma Valério Brittos, professor de pós-gradução em ciências da comunicação da Unisinos (RS), co-autor do livro "A Televisão Brasileira na Era Digital".
Além de ter optado pelo parceiro de menor mercado, o Japão, descartando o padrão europeu e o americano, o Brasil decidiu incorporar elementos nacionais (o middleware Ginga, ainda não disponível nos conversores à venda) e inovações tecnológicas, como o compressor H.264. Isso torna a tecnologia adotada no Brasil híbrida. Só serve para o Brasil. Logo, não podemos comprar aparelhos do Japão. Estamos isolados.
Assim, o conversor brasileiro está caro porque falta escala industrial. Defensora da tecnologia européia, a coalização DVB Brasil estima que, para ser competitivo no mundo atual, um produto de alta tecnologia tem que ocupar pelo menos 15% do mercado global. Segundo a coalização, o Brasil representa 2,8% da população mundial. Mesmo que conquiste para seu padrão os países que ainda não optaram por nenhuma tecnologia, terá só 6,5% do mercado internacional.
Até entre as redes de TV, que sempre defenderam o padrão japonês, há dúvidas sobre a escolha. "Eletronicamente, o [padrão] japonês é o melhor. Para o Brasil, o americano seria melhor, teria mais troca e escala. Isso não vai mudar", afirma João Carlos Saad, presidente do Grupo Bandeirantes de Comunicação.

Semicondutores
Outro fator que encarece o conversor digital nacional é o fato de o governo ter escolhido um sintonizador (turner) que privilegia a robustez do sinal, possibilitando uma recepção melhor. Os maiores beneficiados desse recurso são as redes de TV, que precisam de transmissores menos potentes. Ou seja, o consumidor paga a conta dessa robustez.
Na semana passada, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, maior defensor do padrão japonês dentro do governo, afirmou, indignado, que o consumidor não deve comprar conversor pelos preços cobrados atualmente -os que oferecem alta definição (HDTV) custam a partir de R$ 700.
Costa, no entanto, ignorou estudos do CPqD, instituto de pesquisa em telecomunicações que elaborou extensos relatórios sobre os padrões de TV digital da Europa, dos EUA e do Japão, antes da decisão do Brasil. Um desses relatórios, financiados pelo dinheiro público, apontava que o conversor na tecnologia japonesa não custaria menos de R$ 700. Enquanto isso, na Europa, é possível hoje comprar conversores básicos, produzidos na China, por menos de R$ 150.
Pouco antes do anúncio oficial da escolha do padrão japonês, o preferido das redes de TV, Costa deu entrevistas dizendo que iria exigir, como contrapartida, a instalação de fábricas de semicondutores no Brasil.
Os acordos entre Brasil e Japão, entretanto, não passaram de declarações de intenções vagas. "O governo do Japão espera a retomada do investimento japonês na indústria de eletrônica no Brasil", promete um dos documentos.
Sobre os preciosos semicondutores, memorando assinado entre os ministérios das Relações Exteriores do Brasil e dos Negócios Estrangeiros do Japão, em abril de 2006, diz apenas que o governo japonês "cooperará" com o governo brasileiro "na elaboração, por parte do Brasil, de um plano estratégico para o desenvolvimento da indústria de semicondutores, com vistas a investimentos japoneses no Brasil". E conclui: "O governo do Brasil espera que empresas brasileiras possam participar neste projeto de investimento juntamente com os fabricantes japoneses".
"O acordo com o Japão é completamente subalterno. Na verdade, o Brasil está comprando uma tecnologia. Não há cláusulas de transferência de tecnologia para o Brasil. A escolha do ISDB [o padrão japonês] foi ruim para o país", afirma Gustavo Gindre, membro do Comitê Gestor da Internet, criado pelo governo para estabelecer políticas para o setor, e integrante do Conselho Consultivo do SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital), órgão que deveria ter sido consultado pelo governo antes da escolha do padrão, mas que foi ignorado.
Outro ponto obscuro do acordo Brasil-Japão, que preocupa empresas, é a isenção de royalties sobre patentes. Existe apenas uma carta de empresas japonesas oferecendo a gratuidade. "Isso pode ser uma estratégia. Você faz a virada tecnológica sem pagar royalties e depois é obrigado a pagar. O acordo é frágil juridicamente", diz Gindre.

Outro lado
A Folha tentou entrevistar o ministro Hélio Costa na semana passada. Uma entrevista foi agendada, mas a assessoria do ministro a desmarcou, afirmando que "o bicho tá pegando nesta semana".
O Ministério das Relações Exteriores informou que Roberto Pinto Martins, secretário do Ministério das Comunicações, falaria sobre o acordo com o Japão. A Folha procurou o secretário, via assessoria do ministério, mas não conseguiu falar com ele.


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