São Paulo, quarta-feira, 04 de dezembro de 2002

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EM BUSCA DO ESPAÇO PERDIDO


Solar do edifício Viadutos, ao final da avenida São Luís



QUALIDADE de vida aliada aos baixos preços de imóveis traz classe média de volta para a região


DA EQUIPE DE TRAINEES

Entre latas de tinta e ripas de madeira, a atriz Mika Lins, 36, vai contando os planos para o futuro apartamento. Aqui o sofá. Ali uma mesa. Quadros não. Basta a vista. Do janelão, que vai de uma ponta à outra da sala, vêem-se as ruas e avenidas repletas de gente -ao fundo, a serra da Cantareira.
"À noite, parece uma árvore de Natal", conta Mika. Assim que a reforma acabar, ela se muda para o 28º andar do edifício Copan, no centro de São Paulo.
No centro?
Não foram poucas as pessoas que estranharam a decisão da atriz. Afinal, já parece enraizada no imaginário paulistano a noção de que essa parte da cidade é suja, perigosa e decadente.
Mas Mika está entre os que, atentos às tendências, notaram que há algo de novo na região.
"O centro está mais limpo, o número de camelôs diminuiu. Além disso, aqui é muito policiado. O centro está voltando à moda", afirma o dramaturgo Walcyr Carrasco, que há três anos se mudou para a avenida São Luís.
Diante dessas mudanças, morar no centro pode ser um bom negócio. Na região, é possível achar apartamentos pela metade do preço dos de um bairro valorizado como Moema, por exemplo.
"Com o que nós gastamos para comprar e reformar esse apartamento, nós compraríamos uma caixa de fósforos em outro lugar da cidade", compara o arquiteto Adelson Moreira, que há seis anos mora na avenida São João.

Antigos vizinhos
As praticidades de morar no centro podem parecer novidades para os "neocentristas", mas já fazem parte do cotidiano de pessoas que moram na região há décadas, como a advogada aposentada Gilce Ophélia Borges, que está há 37 anos no centro.
Semanalmente, ela vai ao Mercado Municipal. Em vez de fazer o caminho mais curto, prefere o que chama de "passeio enfeitado", passando pela praça da República e pelo Teatro Municipal. E até hoje se emociona: "Fico arrepiada com aquela beleza".
A aposentada diz que, comparado ao passado, hoje o centro está bom e ainda deve melhorar. Menos otimista, a atriz Dulce Muniz, 12 anos de centro, vê a questão do lixo nas ruas e dos camelôs como problemas graves, mas instigantes, "que nos posicionam sobre o que fazer para melhorar".

Tendência
As transformações pelas quais o centro de São Paulo tem passado proporcionam uma mudança sutil, mas já perceptível, no perfil de seus moradores.
Segundo a Pólis, ONG especializada em políticas sociais, nos últimos dez anos houve um aumento na renda média dos moradores da região da praça da República.
Aumentaram os percentuais de moradores de renda média (5 a 10 salários mínimos), média alta (10 a 20 salários mínimos) e alta (mais de 20 salários mínimos). No mesmo período, diminuiu a concentração de pessoas de renda baixa (menos de 5 salários mínimos) e média alta (de 10 a 20 salários mínimos).
"Esse é um movimento que já está acontecendo de forma sutil, mas permanente, desde a última década", afirma a urbanista Raquel Rolnik, coordenadora da pesquisa, destacando como ponto preferencial para atração da classe média as regiões da praça da República e da Vila Buarque.

Mudança
Especialistas dizem que, uma vez instalados no novo endereço, os moradores promovem transformações no entorno de suas residências.
Em busca de qualidade de vida, eles criam uma demanda por serviços, de padarias e supermercados a coleta de lixo e manutenção do espaço público.
"O centro precisa ser habitado, pois isso é que traz vitalidade urbana", afirma Denise Sant'Anna, coordenadora da pós-graduação em história da PUC-SP.
"Os moradores se engajam, formam associações que serão responsáveis pelo que ocorre no centro", afirma a historiadora. (AMARÍLIS LAGE e RICARDO LISBÔA)


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