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Sobra terra para a agropecuária no Brasil
Estudo diz que produtores rurais podem ocupar 29% do país, área em que daria para triplicar a safra nacional de grãos
DO COLUNISTA DA FOLHA
A bomba foi lançada em setembro de 2008, mas teve efeito retardado. O estudo "Alcance Territorial da Legislação
Ambiental e Indigenista", encomendado à Embrapa Monitoramento por Satélite pela
Presidência da República,
apontou que só 29% do país estava disponível para a agropecuária, e o restante, bloqueado.
A bancada ruralista no Congresso, empenhada em rever o
Código Florestal, adorou o estudo, mas usou-o para dar o bote só em 29 de abril. A senadora
Kátia Abreu (DEM-TO), que
preside a CNA (Confederação
Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil), conseguiu
realizar nesse dia uma reunião
conjunta das 11 comissões permanentes do Senado sobre a legislação ambiental.
Na pauta se destacava o estudo da unidade da Embrapa sediada em Campinas (SP), apresentado pelo autor principal e
chefe da unidade, Evaristo
Eduardo de Miranda. Deveria
ser o golpe de misericórdia,
"científico", nas leis que supostamente engessam o agronegócio. De certo modo, o tiro saiu
pela culatra.
O trabalho teve sua honestidade questionada pelo Greenpeace. Seus números foram
corrigidos para cima por outra
ONG, o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia):
ao menos 36% do Brasil, ou até
43%, permanecia disponível
para atividades agropecuárias.
Quem está com a razão? Não
é fácil responder, e talvez nem
seja necessário.
Mesmo que restem apenas os
2,46 milhões de km2 apontados
por Miranda, na pior das hipóteses, já seria muito. Toda a
produção de grãos do país cabe
em 767 mil km2.
Dá para triplicar a safra nesse espaço, e isso sem aumentar
a produtividade. Coisa impensável, porque o aumento da eficiência -e não só a ampliação
da área cultivada- é que tem
garantido a competitividade do
agronegócio brasileiro no mercado internacional.
O buraco amazônico
Como diz o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes,
não é preciso desmatar nem
mais um quilômetro quadrado
da Amazônia para continuar
exportando.
Apesar disso, faltariam terras, segundo a Embrapa, se o
código fosse levado ao pé da letra. O buraco apontado no estudo é um dos dois bodes pretos
levados ao Senado por Miranda
(o outro são os vários cultivos
do Sul e do Sudeste que estariam na ilegalidade, como o de
café e o de maçã em encostas).
Atente, no quadro abaixo, para o pior cenário do trabalho da
Embrapa na Amazônia. Aparecem números negativos dentro
dos parênteses. Tradução: faltariam 334 mil km2 para satisfazer todas as exigências da legislação na região. Como ela
tem cerca de 4,2 milhões de
km2, como se chegou a esse
contrassenso?
Mais de um ano de trabalho
da Embrapa Monitoramento
por Satélite está por trás do estudo. Primeiro, o grupo de 12
pesquisadores mapeou e somou as áreas de todas as unidades de conservação e terras indígenas da Amazônia. Chegou
a quase 2 milhões de km2, 46%
do bioma.
Em seguida, calculou a área
de reserva legal -4/5 da propriedade, segundo modificação
do Código Florestal introduzida em 2001 (no restante do
país, varia de 1/5 a 1/3). Deu
mais 1,8 milhão de km2, outros
43% do total de floresta.
Depois veio o trabalho mais
complicado, estimar o alcance
do que a lei aponta como áreas
de preservação permanente
(APPs), tais como topos de
morro e margens de corpos d'água. Usaram-se, no caso, dados
topográficos do radar SRTM
embarcado no ônibus espacial
americano Endeavour e o cadastro da ANA (Agência Nacional de Águas).
Foram mais 783 mil km2, ou
19% da Amazônia. Soma geral:
108%, um buraco (déficit) de
8%. "Nosso sistema está aí para
ajudar a formulação de políticas públicas, ele não tem opinião", diz Miranda. "Eu não sei
fazer lei. O deputado não sabe
calcular áreas [afetadas pelas
leis aprovadas]."
Nada menos que 725 mil km2
(17%) da floresta amazônica já
foram derrubados, em geral para formar pastagens e alimentar uma pecuária pouco produtiva. É o bastante para duplicar
a safra de grãos. Não falta terra
no Brasil -nem na Amazônia.
(MARCELO LEITE)
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