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OPINIÃO
Alarmismo pouco é bobagem
A visão de que ONGs ambientalistas misturam denuncismo vazio e sentimentalismo ao debate que deveria ser técnico é incorreta
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Existe em alguns endereços
chiques do Brasil a percepção
de que organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas atrapalham o desenvolvimento do país. Fariam isso, segundo esse ponto de vista, ao
misturar alarmismo infundado, denuncismo vazio e sentimentalismo natureba a um debate que deveria ser objetivo e
técnico. É uma visão parcial e,
em grande medida, incorreta.
Já se foi o tempo em que apenas hippies e ex-marxistas sem
rumo se convertiam para a causa verde como utopia substituta. Isso pode ter sido válido para alguns dos pioneiros que
combatiam romanticamente a
poluição das águas no Rio
Grande do Sul ou a construção
de um aeroporto em Caucaia
do Alto, na Grande São Paulo.
Hoje não é mais.
Desde pelo menos a fundação da organização SOS Mata
Atlântica, em 1986, o melhor do
movimento ambientalista brasileiro busca um pacto firme e
duradouro com a ciência. Os resultados estão aí, conhecidos e
citados por todos.
Os primeiros dados confiáveis
sobre a destruição da floresta
chuvosa que cobria a costa alcançada pelos portugueses em
1500 nasceram, em 1989, da
parceria entre a SOS e o Inpe
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Trata-se de um
órgão de pesquisa ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
A parceria tinha por objeto
usar imagens de satélite na
composição de um atlas dos remanescentes florestais, como
se começava a aplicar na época
para a Amazônia. Assim se revelou que apenas 7% da mata
atlântica sobreviveram. A única
floresta que a maioria dos brasileiros conheceu e conhece está desaparecendo.
Hoje o Inpe conduz o mais
avançado programa do mundo
de monitoração de florestas
tropicais por sensoriamento
remoto. Há mais de duas décadas apura e publica os dados
anuais oficiais de desmatamento da Amazônia (sistema Prodes). Desde 2004 o Prodes é
coadjuvado por um acompanhamento mais ágil (Deter),
quinzena a quinzena, para
apoio da fiscalização do Ibama.
Também foi liderado pelo Inpe, com inspiração "ambientalista" ("ecológica" seria o termo
cientificamente correto), o engajamento brasileiro no Experimento de Grande Escala Atmosfera-Biosfera da Amazônia.
Mais conhecido como LBA, o
projeto internacional foi o
maior programa científico do
Brasil durante anos e produziu
conhecimento básico fundamental para começar a entender o papel da floresta amazônica no clima regional e mundial.
Informações de qualidade
não eram produzidas só por militantes e investigadores do ambiente. Em paralelo, o Programa
Povos Indígenas no Brasil, do
Cedi (Centro Ecumênico de Documentação e Informação), recolhia e mapeava dados para um
catálogo cartográfico das etnias
e terras indígenas do Brasil.
Sempre foi uma fonte melhor,
ao menos para jornalistas, que a
chapa-branca Funai.
SOS e Cedi são as principais
organizações que deram origem ao ISA (Instituto Socioambiental), que até hoje publica, a
cada cinco anos, o indispensável volume "Povos Indígenas
no Brasil". Toda a cartografia
agora é digital, o que habilita o
ISA a fazer estudos detalhados
inéditos, por exemplo sobre superposição de terras indígenas
e unidades de conservação.
Há exatos dez anos, o ISA
atuou como coordenador de
um histórico seminário em
Macapá para identificar áreas
prioritárias para conservação
na Amazônia brasileira. Foi um
esforço sem precedentes, patrocinado pelo Ministério do
Meio Ambiente, para reunir o
melhor conhecimento científico disponível sobre espécies e
sua localização na região.
Com maior ou menor sucesso e meticulosidade, a experiência se repetiu para os outros cinco grandes biomas nacionais (Caatinga, Cerrado,
Mata Atlântica, Pampa e Pantanal). Uma década depois, esses trabalhos ainda orientam a
criação de unidades de conservação no Brasil. Dos seminários
participou uma penca de organizações que ainda dariam o
que falar.
No caso da Amazônia, sempre o bioma mais controverso,
impuseram-se no debate público ONGs como o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia) e o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente
da Amazônia). Ambas com sede
em Belém, estão na vanguarda
desse tipo inovador de ONG,
dedicada a cavar, sistematizar e
divulgar dados socioambientais que nem o governo detém.
Não faz muito tempo, quem
precisasse de informações sobre a situação em torno da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém) faria melhor em procurar
o Ipam. Se necessitado de dados sobre localização e produção de polos madeireiros na
Amazônia, ou sobre a agropecuária da região, o canal era o
Imazon.
Em 2000, Ipam e ISA lideraram a confecção de um relatório de grande repercussão sobre o impacto do plano Avança
Brasil, do governo FHC. Previa
que 180 mil km2 de floresta
amazônica pereceriam como
consequência, em três décadas,
no altar do desenvolvimentismo ambientalmente imprevidente. Foi manchete da Folha
em 13 de março daquele ano.
Pelos dados do Prodes, 167
mil km2 da Amazônia perderam a floresta de lá para cá.
Passaram-se só 9 anos dos 30
projetados (6 deles sob Lula).
Diante disso se poderia afirmar, com objetividade e fundamento técnico, que alarmismo
pouco é bobagem. Em especial
diante de um governo que deita
tanto carvão, gás natural e petróleo na fogueira eleitoral para requentar o Avança Brasil
com o molho salgado do PAC.
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