São Paulo, sábado, 05 de junho de 2010

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Cães e baratas têm direitos iguais?

Com base em pesquisas recentes, cientistas e juristas defendem nova ética animal centrada em uma visão que não hierarquiza os seres vivos

BIA ABRAMO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Faz parte de certa sensibilidade verde, já absorvida pelo senso comum, se condoer quando um animal como o mico-leão-dourado corre risco de extinção.
Também faz parte da experiência cotidiana admirar cães bem-escovados e tratá-los de forma cada vez mais humana. Mas quem defende o direito de sobrevivência e o bem-estar das baratas?
Para alguns cientistas e juristas, todos os animais, independentemente da espécie, têm direito à vida e ao bem-estar -e a história da vida na Terra, de insetos a primatas, pode ser descrita como a da criação de estratégias para evitar a dor.
"Estudos de comportamento indicam que os animais sofrem, têm memória e mecanismos de motivação mais semelhantes aos homens do que pensávamos", diz César Ades, psicólogo especialista em etologia.
"A maioria há de concordar que não devemos torturar macacos; podemos entender a dor dele. Mas torturar a barata é errado? Ainda não sabemos nada sobre a dor da barata", diz Sidarta Ribeiro, neurocientista.
Longe de ser uma questão movida por mera compaixão ou pelo radicalismo protecionista, o tratamento ético de animais surge como um problema científico, filosófico e jurídico, no qual estão envolvidas questões espinhosas como a definição de consciência e o futuro do planeta.

BICHO NÃO É MÁQUINA
Quando a ciência avança e mostra que animais têm funções cognitivas e afetivas complexas, deixamos de conceber os animais como máquinas destinadas exclusivamente ao uso humano e um juízo ético diferente se impõe, de acordo com Ades.
"A insistência da filosofia em considerar o animal como ser irracional pode ser lida como uma boa desculpa para o tratamento cruel e abusivo de animais", ele diz.
De outro lado, a preservação também joga pesado. "O direito animal está garantido pela Constituição: todos têm direito a um meio ambiente equilibrado e para garantir esse direito, deve-se proteger a fauna e a flora e não submeter os animais à crueldade", explica o jurista Rubens Naves, citando o artigo 225.
Significa que todos devemos virar vegetarianos, uma vez que sabemos que milhares de bois e frangos são abatidos, diariamente, para servir à alimentação humana?
"Não", afirma o neurocientista Sidarta Ribeiro. "Somos animais como os outros, que usam outros animais para se alimentar. Mas a ciência e a tecnologia devem criar rapidamente alternativas para alimentar os seres humanos, que prescindam ou minimizem o sofrimento dos animais. Não é impossível, por exemplo, fazer filé-mignon dentro de um laboratório."
Mesmo considerando avanços tecnológicos que parecem fazer parte da ficção científica, homens e animais disputam o mesmo ambiente, de recursos finitos.
Será que, nessa perspectiva, não teremos de fazer escolhas dramáticas, como decidir que há animais mais iguais que os outros, segundo o critério de proximidade com os homens?
"Provavelmente", diz Ribeiro. "Mas não podemos olhar para a escala evolutiva como uma escada, simplesmente. Há animais muito complexos e inteligentes, como o polvo, que estão numa distância evolutiva enorme da gente."


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