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Cães e baratas têm direitos iguais?Com base em pesquisas recentes, cientistas e juristas defendem nova ética animal centrada
em uma visão que não hierarquiza os seres vivos
BIA ABRAMO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Faz parte de certa sensibilidade verde, já absorvida pelo senso comum, se condoer
quando um animal como o
mico-leão-dourado corre risco de extinção.
Também faz parte da experiência cotidiana admirar
cães bem-escovados e tratá-los de forma cada vez mais
humana. Mas quem defende
o direito de sobrevivência e o
bem-estar das baratas?
Para alguns cientistas e juristas, todos os animais, independentemente da espécie, têm direito à vida e ao
bem-estar -e a história da vida na Terra, de insetos a primatas, pode ser descrita como a da criação de estratégias para evitar a dor.
"Estudos de comportamento indicam que os animais sofrem, têm memória e
mecanismos de motivação
mais semelhantes aos homens do que pensávamos",
diz César Ades, psicólogo especialista em etologia.
"A maioria há de concordar que não devemos torturar macacos; podemos entender a dor dele. Mas torturar a barata é errado? Ainda
não sabemos nada sobre a
dor da barata", diz Sidarta
Ribeiro, neurocientista.
Longe de ser uma questão
movida por mera compaixão
ou pelo radicalismo protecionista, o tratamento ético de
animais surge como um problema científico, filosófico e
jurídico, no qual estão envolvidas questões espinhosas
como a definição de consciência e o futuro do planeta.
BICHO NÃO É MÁQUINA
Quando a ciência avança e
mostra que animais têm funções cognitivas e afetivas
complexas, deixamos de
conceber os animais como
máquinas destinadas exclusivamente ao uso humano e
um juízo ético diferente se
impõe, de acordo com Ades.
"A insistência da filosofia
em considerar o animal como ser irracional pode ser lida como uma boa desculpa
para o tratamento cruel e
abusivo de animais", ele diz.
De outro lado, a preservação também joga pesado. "O
direito animal está garantido
pela Constituição: todos têm
direito a um meio ambiente
equilibrado e para garantir
esse direito, deve-se proteger
a fauna e a flora e não submeter os animais à crueldade",
explica o jurista Rubens Naves, citando o artigo 225.
Significa que todos devemos virar vegetarianos, uma
vez que sabemos que milhares de bois e frangos são abatidos, diariamente, para servir à alimentação humana?
"Não", afirma o neurocientista Sidarta Ribeiro.
"Somos animais como os
outros, que usam outros
animais para se alimentar.
Mas a ciência e a tecnologia
devem criar rapidamente alternativas para alimentar
os seres humanos, que prescindam ou minimizem o sofrimento dos animais. Não é
impossível, por exemplo, fazer filé-mignon dentro de um
laboratório."
Mesmo considerando
avanços tecnológicos que
parecem fazer parte da ficção
científica, homens e animais
disputam o mesmo ambiente, de recursos finitos.
Será que, nessa perspectiva, não teremos de fazer escolhas dramáticas, como decidir que há animais mais
iguais que os outros, segundo o critério de proximidade
com os homens?
"Provavelmente", diz Ribeiro. "Mas não podemos
olhar para a escala evolutiva
como uma escada, simplesmente. Há animais muito
complexos e inteligentes,
como o polvo, que estão
numa distância evolutiva
enorme da gente."
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