São Paulo, sábado, 05 de junho de 2010

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Está limpo

Escolhida como a 'capital verde' da União Europeia, Estocolmo recicla e transforma seu lixo em energia; a cidade controlou a questão ambiental com dinheiro alto, educação e multas

RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A ESTOCOLMO

Não é difícil para quem passeia pelo centro de Estocolmo, escolhida pela União Europeia como sua "capital verde" em 2010, se deparar com uma cena inesperada: um ciclista recosta sua bicicleta às margens do lago Mälaren, monta sua vara de pescar, e volta para casa com um peixe numa sacola de feira.
Pouca gente imagina, porém, que por trás de um episódio como esse, na verdade, há milhões de coroas suecas investidas nas tecnologias mais modernas de tratamento de água e na construção de 760 quilômetros de ciclovias na área metropolitana.
Se, por um lado, é verdade que o idílio bucólico vivido em plena área urbana é fruto da consciência ambiental dos suecos, por outro, há um bocado de dinheiro investido para tal. Mas o preço de ter ruas impecavelmente limpas na Gamla Stam, a cidade velha de Estocolmo, é bem menor do que poderia ser.
Como o país conseguiu reduzir a sua produção de lixo drasticamente, uma frota de apenas 75 caminhões recolhe todo o resíduo do município de Estocolmo, onde vivem 800 mil habitantes.
Mais de 25% do lixo é reciclado, 73,5% dele é queimado para produção de energia usada em aquecimento doméstico e o 1,5% é tratado biologicamente. Em São Paulo, apenas 1% do lixo produzido na cidade é reciclado.
"O que vai parar nos aterros é só a cinza que resta da incineração", diz Nils Lindkvist, técnico estrategista do departamento de manejo de lixo de Estocolmo.
Por trás de toda essa eficiência, porém, está a valorização de uma profissão normalmente desprezada. Lixeiros da capital sueca ganham de R$ 5.000 a R$ 8.000, salários que mesmo algumas da cidades mais ricas da Europa não têm condições de pagar.
Alguma parte desse sucesso ambiental, porém, têm origem na consciência dos moradores, que ajudam a fiscalizar quem não recicla seus resíduos corretamente. Os infratores recebem multa.
"Temos os "espiões" do lixo", diz Anna Nordin, analista da Agência de Proteção Ambiental da Suécia. Segundo ela, levou algum tempo para que as pessoas entendessem os critérios de separação do lixo. "Uma boa estratégia foi ensinar isso às crianças, porque elas acabam ensinando os pais."
O programa da União Europeia que elegeu Estocolmo a "capital verde" foi criado para incentivar outras cidades a seguirem o exemplo. Esse objetivo talvez não tenha tanto efeito no curto prazo, já que a vitória de Estocolmo se deveu em boa parte ao planejamento urbano inteligente, algo que não é implantado do dia para a noite.
À medida que foi crescendo no século 20, a cidade se preocupou em preservar parques e bulevares. Hoje, 95% dos habitantes moram a menos de 300 metros da área verde mais próxima.
Foi só recentemente, porém, que a região central da cidade conseguiu eliminar todos os problemas graves de poluição sonora e excesso de trânsito. Nesse caso a, consciência verde dos moradores precisou de um "empurrãozinho" para apressar as mudanças. A exemplo do caso do lixo, os grandes incentivos foram multas e taxas.
Quem tenta entrar guiando seu próprio carro hoje no centro da cidade precisa pagar uma taxa de até 20 coroas suecas (R$ 4,50), medida que causou polêmica e só entrou em vigor após um disputado plebiscito em 2006. A implantação do pedágio urbano venceu por 51% contra 49% dos votos naquele ano.
O alívio no trânsito foi tanto, porém, que hoje mais de 70% da população já apoia a medida, de certa forma reconhecendo que o pagamento é uma forma de pressão válida.
"Em 2005 o sistema de transporte público passou por uma reforma com uma expansão muito grande", conta Anna-Karin Ehn, conselheira da Delegação Sueca para Cidades Sustentáveis.
"Achávamos que as pessoas deixariam de usar seus carros e migrariam para o novo sistema de bondes da cidade, mas isso só aconteceu após a implantação da taxa de congestionamento."


O repórter RAFAEL GARCIA viajou a convite do governo da Suécia



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