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DNA
O ácido desoxirribonucléico é a substância que compõe os cromossomos, estruturas presentes no
núcleo das células. Nos cromossomos estão os
genes, unidades hereditárias que determinam as
características de cada ser humano. O DNA foi
identificado em 1862, mas o conhecimento mais
completo de suas funções só foi possível após a descrição de sua estrutura, em 1953. O DNA é encontrado em
todos os seres vivos, exceto alguns tipos de vírus
O inglês Francis Crick, um dos ganhadores do Nobel de 1962 pela descoberta da estrutura do DNA, trocou a biologia molecular pelo estudo
da consciência; ele acha que é inevitável a criação de "pessoas melhores"
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MARCELO LEITE
enviado especial a La Jolla (EUA)
A primeira coisa a atrair a atenção em Francis Crick são suas sobrancelhas, brancas e enormes.
Elas dão um ar enigmático ao ganhador do Prêmio Nobel de 1962,
com James Watson e Maurice Wilkins, pela descoberta da estrutura
do DNA (ácido desoxirribonucléico). Este é um homem que, em lugar de instalar-se na glória do feito, abandonou a biologia molecular quando tinha já 60 anos.
Passou a dedicar-se a outra
questão espinhosa, a base material
da consciência. Uma carreira no
mínimo "incomum", diz o cientista inglês, hoje com 82 anos.
Originalmente um físico que
projetava sensores magnéticos para minas navais na Segunda Guerra Mundial, bandeou-se para a
biologia depois dos 30, atraído por
um mistério: a fronteira molecular
entre matéria inanimada e vida.
O enigma do próprio Crick desfaz-se assim que ele começa a falar, em sua sala com vista para o
Pacífico no Instituto Salk. Mesmo
acompanhando a biologia molecular apenas à distância, Crick tem
grande esperança nela, pois acredita que fornecerá os instrumentos para decifrar como o cérebro
produz a consciência.
"O DNA foi um caso muito incomum. Havia essa estrutura molecular, que sugeria imediatamente todo tipo de coisas: como se replicava, como a informação (genética) estava codificada, e todos
esses problemas foram resolvidos
no espaço de pouco mais de 12
anos. É muito improvável que façamos alguma descoberta que
corresponda à simplicidade do
DNA. E a razão é que essa estrutura se originou muito perto da origem da vida, quando as coisas tinham de ser muito simples. Já a
consciência apareceu como resultado de um sistema complexo, é
um tipo diferente de propriedade.
Estamos procurando um jeito de
sair do problema, mas não sabemos para onde ir", relata Crick.
Apóia incondicionalmente o
Projeto Genoma Humano -que
visa o mapeamento completo e a
leitura das instruções contidas em
cada gene presente no corpo humano e
torce para que ande mais rápido.
Não parece muito preocupado
com as implicações éticas da genética, pois acredita que os meios para alterar significativamente o plano básico do homem ainda demorarão cem, ou talvez mil anos.
Crick também desconfia da capacidade do público para entender
e lidar com a suposta caixa de Pandora, mas tem certeza de que será
aberta, um dia: "É inevitável".
Em seu escritório no prédio-monumento que Jonas Salk ergueu
para si mesmo em La Jolla, litoral
sul da Califórnia (EUA), o cientista falou à Folha.
Folha - Como e por que o sr. deixou o estudo do DNA pelo do funcionamento do cérebro e da consciência, tema de seu último livro,
"The Astonishing Hypothesis" (A
Hipótese Surpreendente)?
Francis Crick - Eu expliquei isso
mais longamente num outro livro,
"What Mad Pursuit" (Que Busca
Mais Louca). Basicamente, quando eu trabalhava para o Almirantado Britânico, no final da Segunda Guerra Mundial, e pensando no
que fazer -porque não queria
continuar como um cientista no
serviço público-, eu possuía tão
pouca formação científica que poderia ir para qualquer campo.
Eu tinha uns 30 anos. Estreitei
meus interesses para dois campos,
um a fronteira entre o vivo e o
não-vivo, o que agora chamamos
de biologia molecular, e o outro
seria o que chamamos de neurociências. Os dois naquele tempo
pareciam incluir um profundo
mistério, como explicar seres vivos em termos de átomos e moléculas e como explicar a consciência pelos processos do cérebro.
Folha - Então o sr. já tinha os dois
interesses desde o começo?
Crick - Sim. Quando cheguei
aqui (ao Salk Institute), o então
presidente me convenceu a ficar,
quando eu já tinha 60 anos. Decidi
que, se fosse mudar de campo, iria
para a neurociência. Mas precisei
de muitos anos para me afastar da
biologia molecular.
Folha - O sr. acredita que decifrar
o genoma humano pode contribuir para a compreensão do cérebro e da consciência?
Crick - Enormemente. Muitas
pessoas no campo da neurociência
ainda não se deram conta de que
ajuda enorme seria. Será possível
caracterizar todo o sistema, que
hoje ainda é muito grosseiro. Há
muitos tipos de neurônios, nem
sabemos direito quantos.
Folha - O sr. portanto apóia o
Projeto Genoma Humano?
Crick - Sim, e muito. Acho até
que eles devem seguir um pouco
mais rápido, agora que têm uma
certa concorrência.
Folha - Como o sr. reagiu ao
anúncio por Craig Venter de que
pode acelerar o sequenciamento
do DNA humano, em parceria com
a iniciativa privada e ultrapassando o próprio Projeto Genoma?
Crick - Não estou diretamente
envolvido, só acompanho à distância. No que me diz respeito,
quanto mais depressa, melhor.
Folha - Mas não há alguma preocupação com a participação de
companhias privadas e a possibilidade de que obtenham patentes,
controlando o uso de informação
científica, e assim por diante?
Crick - Sim, sempre há esses perigos. Tudo o que sei é o que leio
nas revistas "Nature" e "Science". Eu não estou numa posição
de autoridade para tomar qualquer decisão. Só estou interessado
nos resultados.
Folha - Suponha que em cinco ou
dez anos seu grupo encontre a sede da consciência no cérebro. O sr.
será lembrado por isso ou pela
descoberta da estrutura do DNA?
O que é mais importante?
Crick - (Ri.) Em primeiro lugar,
duvido que tenha sorte bastante
para conseguir fazer isso, mas vamos lá. É claro que, se topar com
uma solução dramática na qual
ninguém ainda tinha pensado, seremos lembrados pelas duas coisas. Einstein é lembrado tanto pelo
efeito fotoelétrico quanto pela
Teoria da Relatividade, que são
coisas muito diferentes.
Folha - Há muita discussão no
público sobre o uso dessas descobertas, seja DNA ou, algum dia, a
base fisiológica da consciência. O
sr. acha que esse tipo de conhecimento pode ou deve ser usado para aperfeiçoar o organismo humano, a condição humana?
Crick - Não acredito que possa
ser usado num futuro próximo,
pois não sabemos o bastante em
biologia molecular nem em biologia do desenvolvimento e não entendemos de maneira realmente
sofisticada como seres humanos se
comportam. A curto prazo, não
deveria certamente haver pressão
nesse sentido. A longo prazo, é
inevitável. É inevitável.
Se os métodos estão disponíveis
para criar -eu ia dizer "sistemas
melhores"- pessoas melhores,
tudo sugere que as pessoas vão
querer usá-los. Não devem ser
usados neste momento, seria muito precipitado, pois em primeiro
lugar não sabemos o que queremos, e em segundo lugar os métodos não são muito bons e poderiam facilmente provocar danos.
Mas a longo prazo, quero dizer,
100, 200, 300 ou 1.000 anos, penso
que é inevitável.
Folha - Parece haver no público,
porém, a noção de que certas fronteiras a ciência não pode cruzar,
ainda que a tendência seja a de
mover continuamente essa linha
para mais adiante.
Crick - Está certo, é preciso cautela. Mas o público em geral acredita em várias coisas extraordinárias. A maioria das pessoas neste
país (EUA) não acredita em seleção natural e evolução (ri). Por isso é que digo que só os aspectos
sociais devem ser levados em conta. É como a questão do ambiente,
um assunto político.
Houve recentemente duas grandes mudanças de pensamento. Há
30 anos, ninguém queria acreditar
que o comportamento humano
fosse influenciado por genes, os
antropólogos não acreditavam, os
psicólogos não acreditavam. Isso
mudou, mas fomos longe demais
na outra direção. As pessoas agora
acreditam que deve haver um gene
para isso, outro gene para aquilo...
Folha - Um gene para a homossexualidade, outro para a agressividade...
Crick - É preciso acalmar um
pouco isso, mas o fato é que houve
uma mudança. E também na maneira que as pessoas pensam o cérebro, em grande parte graças a
Oliver Sacks (neurobiólogo, autor
de "Tempo de Despertar", entre
outros). Ele escreve livros muito
bons, as pessoas lêem e começam a
mudar a forma de ver o cérebro. É
possível mudar o modo de pensar
de pessoas cultas, até mesmo de
pessoas menos cultas, mas em períodos de 20 anos. Outra mudança
importante foi em relação ao controle da natalidade. Você não podia mencionar isso em 1945, mas,
quando veio a pílula, ela mudou
tudo.
Na Internet:
Salk Institute: http://www.salk.edu
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