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Sydney Brenner
Nobel
além do genoma
Frank Leonhardt/FrancePresse-8.out.2002
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O Nobel Sydney Brenner, do Instituto Salk, nos Estados Unidos |
Pesquisador sul-africano critica o sequenciamento de DNA e reavalia a
descoberta seminal de Watson e Crick
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Depois do sequenciamento do genoma humano, é hora de enfrentar os verdadeiros
problemas da genética. É assim que um dos
três ganhadores do Nobel de Medicina de 2002, o sul-africano Sydney Brenner, vê o futuro da dupla hélice e
de seu cada vez mais importante parceiro, o RNA.
Poucos são mais indicados que
Brenner, 76, para falar dessa molécula. Ao trabalhar no mesmo
grupo de Francis Crick, nos anos
50, ele elucidou o funcionamento
do RNA mensageiro (mRNA),
que faz a ponte entre as informações contidas no DNA do núcleo
celular e a produção de proteínas,
no citoplasma da célula.
Para o pesquisador, hoje no Instituto Salk, nos Estados Unidos, a
dupla hélice de Watson e Crick
continuará sendo central para a
biologia do século 21. Mas é preciso deixar de lado a simples transcrição do genoma e se debruçar
sobre os processos de ativação e
controle dos genes que ajudam os
organismos a ser o que eles são.
De sua casa em La Jolla, na Califórnia, Brenner conversou com a
Folha por telefone. Leia abaixo os
principais trechos da entrevista:
Folha - Quais são suas recordações sobre o clima intelectual da
descoberta da estrutura do DNA?
Sydney Brenner - Para mim foi
uma revelação. Essa é a palavra
que eu costumo usar. Eu vi o modelo antes que ele fosse publicado,
e a sensação foi de
uma mudança
completa na maneira como nós
iríamos fazer biologia.
Folha - Depois de
toda a história da
biologia molecular
que veio em seguida, o sr. diria que as
pessoas deixaram
de ver implicações
ou limitações da
descoberta?
Brenner - Sim,
acho que definitivamente sim, no
começo. A natureza toda da descoberta e suas implicações não foram
realmente compreendidas por algum tempo. Essencialmente, a
implicação mais
profunda, que nos
deu, por assim dizer, uma nova
moeda na bioquímica, foi a da informação. Antes
da estrutura, se
você tentasse falar sobre a química da informação, não teria feito
sentido.
Folha - O Projeto Genoma Humano e outros projetos similares têm
recebido críticas consideráveis.
Muitos dizem que eles não trabalham com hipóteses e, por isso, não
são verdadeira ciência. O que o sr.
pensa dessas críticas?
Brenner - Tenho sido um crítico
do tipo de escola que realiza esse
trabalho, que tem orgulho de não
ter uma hipótese. Isto é, você coleta o máximo de informação possível e espera que a hipótese surja
dos dados, que a teoria surja dos
dados, e eu não acho que esse seja
o caminho certo a seguir.
Folha - É por isso que o sr. não esteve muito envolvido com esses
projetos?
Brenner - Ora, eu mesmo tive
um projeto genoma!
Folha - Sim, o do peixe "fugu" [tipo de baiacu], mas seu envolvimento com o Projeto Genoma Humano foi pequeno...
Brenner - Não, eu... você sabe
[hesita]... Eu acho que os projetos
genoma em larga escala não têm a
ver com ciência, na verdade. Eles
têm a ver com duas outras coisas:
uma se chama dinheiro, a outra
gerenciamento. Eu acho que tudo
isso não tem a ver com ciência.
Você produz sequências como
uma fábrica produz cerveja.
Folha - E o sr. acha que esses projetos poderiam ter sido conduzidos
de outra maneira?
Brenner - Estava claro que a tecnologia, como ela existia na época, não estava à altura disso. Um
cientista sozinho não pode ir lá e
fazer o serviço. Porque é muito laborioso. Quero dizer, no fim nós
teríamos sequenciado todo o genoma humano, mas em pequenos pedaços. Eu acho que foi uma operação cara, e, agora que está
pronta, deveríamos esquecer isso
e continuar com a ciência.
Folha - O sr. ajudou a desvendar o
RNA mensageiro. Nos últimos
anos, vários achados interessantes, como a interferência de RNA,
têm mostrado o potencial dessa
molécula para entender e controlar o genoma. O sr. acha que o RNA
pode superar o DNA?
Brenner - Não, não acredito nisso. O fato de que os genes da vasta
maioria dos organismos do mundo são feitos de DNA é algo importante. O RNA, acho, é importante, sempre foi importante e,
conforme formos aprendendo
mais e mais sobre ele, construiremos coisas muito interessantes,
em especial sobre a maneira como os genes funcionam nos organismos. Mas tudo está codificado nos genes e, portanto, no DNA.
Folha - O sr. acha que os biólogos
moleculares estão conseguindo
mostrar ao público que a complexidade do genoma não é compatível
com o determinismo genético?
Brenner - Os
cientistas em geral
não estão fazendo
isso bem. Eu não
culparia só os biólogos moleculares! (risos). Acho
que na verdade
são duas coisas.
Um, as pessoas
confundem genomas com pessoas,
e eu acho que é
importante manter os dois separados. Seu genoma é
parte de você, mas
ele não é você.
Essa conversa
sobre clonagem
- parece que ninguém é capaz de
entender que você
não está clonando
uma pessoa, só está clonando um
genoma. Não é
possível fazer isso
[clonar uma pessoa]. Você como
pessoa é a sua história, as suas lembranças, todas as
coisas importantes que fazem você humano.
E eu também acho [em segundo
lugar] que há uma conversa fiada
incrível sobre genes do alcoolismo, genes da homossexualidade,
e assim por diante. Desse jeito, alguém poderia sair por aí falando
de genes da sorte. Isso é bobagem.
Folha - Seu trabalho com o verme
C. elegans lhe deu um Nobel. O sr.
acha que os cientistas ainda têm
coisas importantes a descobrir trabalhando com ele?
Brenner - Sim, sem dúvida. Acho
que os organismos-modelo são
muito importantes. Afinal de
contas, o nosso grande problema
agora é como lidar com a complexidade biológica. E o C. elegans é
uma grande oportunidade para
enfrentar isso de forma fundamental. Então eu sinto que ele
tem sido uma plataforma incrivelmente boa para desenvolver ao
menos os inícios de tal trabalho. A
interferência de RNA começou
com ele, todo o trabalho que mostrou como cada célula surge no
desenvolvimento, ele foi o primeiro [animal] a ter o genoma sequenciado -tudo isso começa a montar o palco para se tentar alcançar um entendimento total.
Folha - Quais são as questões da
biologia que ainda estão por ser
respondidas e que o sr. gostaria de
investigar?
Brenner - Muita coisa ainda está
por responder. O modo pelo qual
um conjunto de genes e o ambiente e a história se juntam para
fazer de cada um de nós uma pessoa única, o que determina o que,
como essas coisas interagem. Isso
ainda dará combustível para pesquisa daqui a anos e anos.
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