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Maurice Wilkins
O terceiro excluído
Neozelandês é o integrante menos conhecido da trinca que ganhou o Prêmio Nobel de 1962
LUISA MASSARANI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Quando se pensa na elucidação da estrutura de dupla hélice da molécula do
DNA, dois nomes vêm logo à mente: James Watson e Francis Crick, do
Laboratório Cavendish da Universidade de Cambridge (Reino Unido).
Mas dois pesquisadores experimentais que foram decisivos para essa descoberta de 1953 são pouco lembrados: os especialistas em cristalografia por raios X
Rosalind Franklin e Maurice Wilkins, do King's College de Londres.
Nascido na Nova Zelândia em
1916, Wilkins ganhou o Prêmio
Nobel em 1962, com Watson e
Crick, por suas descobertas relacionadas à estrutura molecular
dos ácidos nucléicos e seu significado para a transferência de informação em material vivo.
Físico de formação, sua incursão pela área biomédica iniciou-se em 1945, na equipe de J.T. Randall na Universidade St. Andrews
(Escócia). No ano seguinte, mudou-se para o King's College, em
Londres, onde até hoje mantém
uma sala, onde foi realizada esta
entrevista. Atualmente, dedica todo o tempo a uma autobiografia.
Wilkins trabalhou nos Estados
Unidos no Projeto Manhattan,
para a construção da bomba atômica, mas depois recusou-se a fazer quaisquer pesquisas para desenvolvimento de armas. O controle do uso inadequado da ciência e da tecnologia levou-o a presidir a BSSRS (Sociedade Britânica
para a Responsabilidade Social
em Ciência), ativa nos anos 70.
Wilkins relata, aqui, que sofreu
influência decisiva de Erwin
Schrödinger e de Linus Pauling, e
comenta o papel de Rosalind
Franklin, com a qual mantinha
um relação profissional tensa.
Folha - Como o sr. começou a se
interessar pela difração de raios X?
Maurice Wilkins - Fiz trabalhos
com difração de raios X [na universidade] em Cambridge, mas
acho que o ensino ali não era muito bom. No King's nenhum de
nós entendia o suficiente de cristalografia e, na realidade, não
queria trabalhar com difração de
raios X. Achava bem maçante.
Quando comecei a trabalhar com
Raymond Gosling, um aluno de
doutorado, os resultados da difração com DNA eram tão empolgantes que eu quis trabalhar com
a estrutura de genes.
Um livro que teve muita influência nessa decisão foi escrito
por Erwin Schrödinger e publicado em 1944. Chamava-se "O que É
Vida?". Que pergunta importante, não? Schrödinger não conseguiu responder à questão, mas ele
realmente me deixou "ligado"
quando disse que um gene deveria ser um cristal aperiódico.
Foi só em 1950 que consegui trabalhar com cristais de genes. Rudolf Signer, um suíço-alemão que
produziu DNA altamente purificado, foi a Londres dar um seminário. Tinha amostras desse DNA
muito especial, que continha moléculas intactas especialmente
preparadas, e distribuiu pequenos tubos metálicos com aquela
coisa branca. Fui à palestra e tive a
sorte de conseguir um pouco do
material.
Folha - Qual o objetivo de sua visita ao Rio de Janeiro no início da
década de 50?
Wilkins - Éramos parte de um
grupo de cientistas de todo o
mundo que queriam levar para o
Brasil um novo tipo de biologia
celular. A visita foi organizada por
Carlos Chagas Filho. Eu estava
envolvido com todos os tipos de
microscopia. Na ocasião, estava
no meio de nosso trabalho usando difração de raios X para o estudo do DNA. Rosalind Franklin
havia acabado de convocar uma
reunião para nos mostrar os dados que ela coletara que sugeriam
que o DNA não poderia estar na
forma de hélice. Logo em seguida,
tive de fazer as malas bem rápido
e pegar o avião para o Rio. Foi
agradável poder escapar assim.
Embora eu acreditasse que Rosalind estava sendo franca, alguns
achavam que era uma piada. É
claro que não era piada, mas eu
estava numa situação difícil. Não
gostava da idéia de o DNA não ter
o formato de hélice.
Folha - Como o sr. recebeu a notícia de que Watson e Crick chegaram ao modelo da estrutura do
DNA?
Wilkins - John Kendrew, que era
meu amigo e de Watson e Crick,
telefonou e me deu uma breve
descrição de como era o modelo
que eles conceberam. Não fiquei
muito surpreso. Olhando para
trás, acho que o que eles conseguiram de muito especial foi entender
como se estabelece o
pareamento das bases. Watson e Crick
tiveram muita sorte.
Quando Jim [Watson] explicou como
era o modelo inicial
a Jerry Donahue
[ex-aluno de Linus
Pauling], ele disse
que estava errado.
Jim consertou o erro
e conseguiu chegar
ao modelo certo.
Folha - Como era a
sua relação profissional com Watson e
Crick?
Wilkins - Crick era
um velho amigo
meu, eu o conhecia
há muito tempo. Conheci Watson
em Nápoles, como ele conta em
seu livro. Eu não o convidei para
vir para o nosso laboratório porque achei que precisávamos de alguém que tivesse experiência em
difração de raios X, já que eu ainda não tinha usado essa técnica. É
aí que Rosalind Franklin entra.
Ela deveria se juntar a nós, para
ajudar em nosso trabalho. Mas
quando nomeada, foi dito a ela
que Alex Stokes e eu estávamos
desistindo do trabalho com DNA.
É claro, isso não era verdade.
Folha - Qual a contribuição de Rosalind para a descoberta?
Wilkins - Ela fez contribuições
muito valiosas para a análise do
DNA. Mas ficou mais feliz quando foi trabalhar com vírus com
outra equipe, no Birkbeck College. Ela queria fazer o trabalho
com o DNA com os procedimentos de difração de raios X devidamente estabelecidos. Ela não
aprovava o fato de que Stokes e eu
estávamos entusiasmados com a
nova abordagem de Linus Pauling, que construía modelos tridimensionais a partir das ligação
entre moléculas e das imagens
por difração.
Folha - Como vê um cientista que
trabalhe com armas biológicas?
Wilkins - Alguns cientistas têm
uma visão muito estreita das coisas e uma fascinação pela ciência
como tal. É muito perigoso que as
pessoas façam qualquer coisa na
vida sem considerar as consequências de longo prazo.
Folha - Mas o
sr. participou
das atividades
do Projeto Manhattan.
Wilkins - Sim.
Eu trabalhava
com separação,
por espectografia de massa, de
isótopos de urânio. Fui para a
Califórnia continuar esses estudos no Projeto Manhattan.
Quando a guerra acabou, não
quis continuar a
trabalhar com
armas. Quando
era estudante,
em Cambridge,
antes da guerra, havia o grupo de
cientistas antiguerra que atuava
muito bem e eu me juntei a esse
grupo.
Folha - O sr. foi presidente da Sociedade Britânica para a Responsabilidade Social em Ciência. Quais
eram os objetivos?
Wilkins - A sociedade buscava
controlar o uso inapropriado da
ciência e da tecnologia para fins
repressivos ou pelo menos protestar contra tal uso.
A jornalista Luisa Massarani viajou ao
Reino Unido a convite do British Council
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