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São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2003

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Maurice Wilkins

O terceiro excluído

Neozelandês é o integrante menos conhecido da trinca que ganhou o Prêmio Nobel de 1962

LUISA MASSARANI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Quando se pensa na elucidação da estrutura de dupla hélice da molécula do DNA, dois nomes vêm logo à mente: James Watson e Francis Crick, do Laboratório Cavendish da Universidade de Cambridge (Reino Unido). Mas dois pesquisadores experimentais que foram decisivos para essa descoberta de 1953 são pouco lembrados: os especialistas em cristalografia por raios X Rosalind Franklin e Maurice Wilkins, do King's College de Londres.

Nascido na Nova Zelândia em 1916, Wilkins ganhou o Prêmio Nobel em 1962, com Watson e Crick, por suas descobertas relacionadas à estrutura molecular dos ácidos nucléicos e seu significado para a transferência de informação em material vivo.
Físico de formação, sua incursão pela área biomédica iniciou-se em 1945, na equipe de J.T. Randall na Universidade St. Andrews (Escócia). No ano seguinte, mudou-se para o King's College, em Londres, onde até hoje mantém uma sala, onde foi realizada esta entrevista. Atualmente, dedica todo o tempo a uma autobiografia.
Wilkins trabalhou nos Estados Unidos no Projeto Manhattan, para a construção da bomba atômica, mas depois recusou-se a fazer quaisquer pesquisas para desenvolvimento de armas. O controle do uso inadequado da ciência e da tecnologia levou-o a presidir a BSSRS (Sociedade Britânica para a Responsabilidade Social em Ciência), ativa nos anos 70.
Wilkins relata, aqui, que sofreu influência decisiva de Erwin Schrödinger e de Linus Pauling, e comenta o papel de Rosalind Franklin, com a qual mantinha um relação profissional tensa.
 

Folha - Como o sr. começou a se interessar pela difração de raios X?
Maurice Wilkins -
Fiz trabalhos com difração de raios X [na universidade] em Cambridge, mas acho que o ensino ali não era muito bom. No King's nenhum de nós entendia o suficiente de cristalografia e, na realidade, não queria trabalhar com difração de raios X. Achava bem maçante. Quando comecei a trabalhar com Raymond Gosling, um aluno de doutorado, os resultados da difração com DNA eram tão empolgantes que eu quis trabalhar com a estrutura de genes.
Um livro que teve muita influência nessa decisão foi escrito por Erwin Schrödinger e publicado em 1944. Chamava-se "O que É Vida?". Que pergunta importante, não? Schrödinger não conseguiu responder à questão, mas ele realmente me deixou "ligado" quando disse que um gene deveria ser um cristal aperiódico.
Foi só em 1950 que consegui trabalhar com cristais de genes. Rudolf Signer, um suíço-alemão que produziu DNA altamente purificado, foi a Londres dar um seminário. Tinha amostras desse DNA muito especial, que continha moléculas intactas especialmente preparadas, e distribuiu pequenos tubos metálicos com aquela coisa branca. Fui à palestra e tive a sorte de conseguir um pouco do material.

Folha - Qual o objetivo de sua visita ao Rio de Janeiro no início da década de 50?
Wilkins -
Éramos parte de um grupo de cientistas de todo o mundo que queriam levar para o Brasil um novo tipo de biologia celular. A visita foi organizada por Carlos Chagas Filho. Eu estava envolvido com todos os tipos de microscopia. Na ocasião, estava no meio de nosso trabalho usando difração de raios X para o estudo do DNA. Rosalind Franklin havia acabado de convocar uma reunião para nos mostrar os dados que ela coletara que sugeriam que o DNA não poderia estar na forma de hélice. Logo em seguida, tive de fazer as malas bem rápido e pegar o avião para o Rio. Foi agradável poder escapar assim. Embora eu acreditasse que Rosalind estava sendo franca, alguns achavam que era uma piada. É claro que não era piada, mas eu estava numa situação difícil. Não gostava da idéia de o DNA não ter o formato de hélice.

Folha - Como o sr. recebeu a notícia de que Watson e Crick chegaram ao modelo da estrutura do DNA?
Wilkins -
John Kendrew, que era meu amigo e de Watson e Crick, telefonou e me deu uma breve descrição de como era o modelo que eles conceberam. Não fiquei muito surpreso. Olhando para trás, acho que o que eles conseguiram de muito especial foi entender como se estabelece o pareamento das bases. Watson e Crick tiveram muita sorte. Quando Jim [Watson] explicou como era o modelo inicial a Jerry Donahue [ex-aluno de Linus Pauling], ele disse que estava errado. Jim consertou o erro e conseguiu chegar ao modelo certo.

Folha - Como era a sua relação profissional com Watson e Crick?
Wilkins -
Crick era um velho amigo meu, eu o conhecia há muito tempo. Conheci Watson em Nápoles, como ele conta em seu livro. Eu não o convidei para vir para o nosso laboratório porque achei que precisávamos de alguém que tivesse experiência em difração de raios X, já que eu ainda não tinha usado essa técnica. É aí que Rosalind Franklin entra. Ela deveria se juntar a nós, para ajudar em nosso trabalho. Mas quando nomeada, foi dito a ela que Alex Stokes e eu estávamos desistindo do trabalho com DNA. É claro, isso não era verdade.

Folha - Qual a contribuição de Rosalind para a descoberta?
Wilkins -
Ela fez contribuições muito valiosas para a análise do DNA. Mas ficou mais feliz quando foi trabalhar com vírus com outra equipe, no Birkbeck College. Ela queria fazer o trabalho com o DNA com os procedimentos de difração de raios X devidamente estabelecidos. Ela não aprovava o fato de que Stokes e eu estávamos entusiasmados com a nova abordagem de Linus Pauling, que construía modelos tridimensionais a partir das ligação entre moléculas e das imagens por difração.

Folha - Como vê um cientista que trabalhe com armas biológicas?
Wilkins -
Alguns cientistas têm uma visão muito estreita das coisas e uma fascinação pela ciência como tal. É muito perigoso que as pessoas façam qualquer coisa na vida sem considerar as consequências de longo prazo.

Folha - Mas o sr. participou das atividades do Projeto Manhattan.
Wilkins -
Sim. Eu trabalhava com separação, por espectografia de massa, de isótopos de urânio. Fui para a Califórnia continuar esses estudos no Projeto Manhattan. Quando a guerra acabou, não quis continuar a trabalhar com armas. Quando era estudante, em Cambridge, antes da guerra, havia o grupo de cientistas antiguerra que atuava muito bem e eu me juntei a esse grupo.

Folha - O sr. foi presidente da Sociedade Britânica para a Responsabilidade Social em Ciência. Quais eram os objetivos?
Wilkins -
A sociedade buscava controlar o uso inapropriado da ciência e da tecnologia para fins repressivos ou pelo menos protestar contra tal uso.


A jornalista Luisa Massarani viajou ao Reino Unido a convite do British Council


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