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Marshall Nirenbrg
O homem do código
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Outros entrevistados poderiam
ambicionar estar na metade de cima da página, mas não é esse o caso de Marshall Nirenberg, 75.
"Outros podem pegar os holofotes, eu não ligo. Eu gosto de resolver problemas." Foi exatamente o
que ele fez em 1961, ao apresentar
num congresso em Moscou a chave para a quebra do código de emparelhamento de bases na dupla
hélice do DNA. Trabalhando discretamente nos NIH (Institutos
Nacionais de Saúde), Nirenberg
decifrou a "linguagem" da vida.
"Esse foi o primeiro problema
em que trabalhei como um investigador independente", conta o
bioquímico, que foi casado com
uma brasileira por 41 anos, até ficar viúvo, no ano passado.
Contra os maiores especialistas
da área, Nirenberg venceu a corrida e descobriu como a informação contida no DNA era convertida na célula, ou seja, como determinada sequência de
bases especificava um
dos 20 tipos de aminoácido existentes
que, enfileirados, formam cada proteína.
Por decifrar essa correlação, Nirenberg conquistou o Prêmio Nobel em Fisiologia ou
Medicina de 1968.
O pesquisador nova-iorquino segue trabalhando nos NIH. De
sua casa em Bethesda,
Maryland, Nirenberg
avalia o passado e o futuro da aventura de decifrar a linguagem dos organismos. A seguir, trechos da entrevista:
Folha - O sr. anunciou a descoberta do código genético numa conferência em Moscou, mas o título de
sua apresentação era meio cifrado.
Foi de propósito?
Marshall Nirenberg - Eu não me
lembro do título, mas eu a apresentei duas vezes. Na primeira,
era uma palestra agendada, que
teve um grupo pequeno, umas 35
pessoas. Mas então fui convidado
a apresentá-la uma segunda vez.
Fui aplaudido de pé. É raro ter recepções como aquela em ciência.
Folha - Na época, estava claro
que havia uma corrida para fazer
essa descoberta? Como o sr. se sentiu com relação a isso?
Nirenberg - Bem, você sabe. Severo Ochoa era um bioquímico
soberbo. Ele era vencedor do Prêmio Nobel, chefe do Departamento de Bioquímica na NYU
[Universidade de Nova York] e
um dos melhores bioquímicos no
mundo. E imediatamente, quando ouviu falar nisso, pulou sobre
o problema. Eu nunca havia me
encontrado com Ochoa, mas eu
liguei para ele e pensei, bem, se falarmos um pouco, talvez possamos dividir o problema.
Quer dizer, eu acho que é melhor colaborar do que competir.
Ele foi muito gentil, tomamos
chá, ele me apresentou a todos no
laboratório, mas não houve meio
de dividirmos. Então, tornou-se
uma tremenda competição. Mas
eu descobri mais tarde, para meu
horror, que gostava de competição. Porque realmente põe você
em foco, faz você trabalhar duro.
Folha - De todos aqueles grandes
descobridores dos anos 50 e 60, o
sr. pareceu ser o que mais evitou os
holofotes. É isso mesmo?
Nirenberg - Eu nunca liguei para
os holofotes. O que eu gosto é do
trabalho. Eu gosto de resolver
problemas. Outros podem pegar
os holofotes, eu não ligo. Não é
nisso que estou interessado. Nunca procurei publicidade. Sinto
que poder trabalhar no campo é
uma tremenda recompensa.
Folha - Por que não há muitos trabalhos seus em cooperação? O sr.
procurou ficar longe de outros grupos já formados?
Nirenberg - Não. Depois que o
código foi decifrado, decidi trabalhar em neurobiologia, um campo totalmente diferente. E venho
trabalhando nisso desde 1967.
Folha - E por que a mudança?
Nirenberg - Porque eu queria explorar. E não sabia muito sobre
neurobiologia, não havia muito
de conhecido sobre ela. A sedução
de explorar é muito empolgante,
ser pioneiro em um novo campo.
Folha - Muitos cientistas na época estavam tentando decifrar o código genético por teoria. Watson e
Crick gostavam de trabalhar assim,
George Gamow também...
Nirenberg - Gamow foi um dos
homens mais interessantes que
conheci em minha vida. Ele era
esse grande homem-urso, fumava constantemente, segurando
seu cigarro daquele jeito russo,
entre seu mindinho e o dedo seguinte, tinha um maravilhoso
senso de diversão no que fazia.
Escreveu um estudo teórico que
enviou para a revista "PNAS" e
deu cópias para alguns de seus
amigos físicos, e eles pediram, imploraram, para que ele retirasse o
estudo. Diziam: "Você é um físico. O que você sabe de biologia?
Está fazendo papel de bobo". Ele
estava errado em todos os detalhes, mas a idéia essencial de um
código estava totalmente correta.
Folha - Como o sr. vê as grandes
revoluções biotecnológicas atuais,
como a engenharia genética?
Nirenberg - Coisas com engenharia genética em terapia têm
um grande futuro. Se você olhar
longe, para doenças genéticas para as quais não há terapia disponível, não há dúvida de que vai fazer
um bocado de bem. Mas é preciso
ser cauteloso ao usar isso, para
não fazer nenhum mal. Todas essas manipulações genéticas para
terapia não são feitas com células
sexuais, elas não podem ser passadas adiante, ninguém fala de alterar células sexuais, que poderiam ser herdadas.
Folha - Watson, por exemplo, parece de bem com essa idéia.
Nirenberg - Eu não sabia que ele
tinha ido tão longe. É preciso ser
extremamente cuidadoso, para
não cometer erros.
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