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São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2003

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Marshall Nirenbrg

O homem do código

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Outros entrevistados poderiam ambicionar estar na metade de cima da página, mas não é esse o caso de Marshall Nirenberg, 75. "Outros podem pegar os holofotes, eu não ligo. Eu gosto de resolver problemas." Foi exatamente o que ele fez em 1961, ao apresentar num congresso em Moscou a chave para a quebra do código de emparelhamento de bases na dupla hélice do DNA. Trabalhando discretamente nos NIH (Institutos Nacionais de Saúde), Nirenberg decifrou a "linguagem" da vida.
"Esse foi o primeiro problema em que trabalhei como um investigador independente", conta o bioquímico, que foi casado com uma brasileira por 41 anos, até ficar viúvo, no ano passado.
Contra os maiores especialistas da área, Nirenberg venceu a corrida e descobriu como a informação contida no DNA era convertida na célula, ou seja, como determinada sequência de bases especificava um dos 20 tipos de aminoácido existentes que, enfileirados, formam cada proteína. Por decifrar essa correlação, Nirenberg conquistou o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina de 1968.
O pesquisador nova-iorquino segue trabalhando nos NIH. De sua casa em Bethesda, Maryland, Nirenberg avalia o passado e o futuro da aventura de decifrar a linguagem dos organismos. A seguir, trechos da entrevista:
 

Folha - O sr. anunciou a descoberta do código genético numa conferência em Moscou, mas o título de sua apresentação era meio cifrado. Foi de propósito?
Marshall Nirenberg -
Eu não me lembro do título, mas eu a apresentei duas vezes. Na primeira, era uma palestra agendada, que teve um grupo pequeno, umas 35 pessoas. Mas então fui convidado a apresentá-la uma segunda vez. Fui aplaudido de pé. É raro ter recepções como aquela em ciência.

Folha - Na época, estava claro que havia uma corrida para fazer essa descoberta? Como o sr. se sentiu com relação a isso?
Nirenberg -
Bem, você sabe. Severo Ochoa era um bioquímico soberbo. Ele era vencedor do Prêmio Nobel, chefe do Departamento de Bioquímica na NYU [Universidade de Nova York] e um dos melhores bioquímicos no mundo. E imediatamente, quando ouviu falar nisso, pulou sobre o problema. Eu nunca havia me encontrado com Ochoa, mas eu liguei para ele e pensei, bem, se falarmos um pouco, talvez possamos dividir o problema.
Quer dizer, eu acho que é melhor colaborar do que competir. Ele foi muito gentil, tomamos chá, ele me apresentou a todos no laboratório, mas não houve meio de dividirmos. Então, tornou-se uma tremenda competição. Mas eu descobri mais tarde, para meu horror, que gostava de competição. Porque realmente põe você em foco, faz você trabalhar duro.

Folha - De todos aqueles grandes descobridores dos anos 50 e 60, o sr. pareceu ser o que mais evitou os holofotes. É isso mesmo?
Nirenberg -
Eu nunca liguei para os holofotes. O que eu gosto é do trabalho. Eu gosto de resolver problemas. Outros podem pegar os holofotes, eu não ligo. Não é nisso que estou interessado. Nunca procurei publicidade. Sinto que poder trabalhar no campo é uma tremenda recompensa.

Folha - Por que não há muitos trabalhos seus em cooperação? O sr. procurou ficar longe de outros grupos já formados?
Nirenberg -
Não. Depois que o código foi decifrado, decidi trabalhar em neurobiologia, um campo totalmente diferente. E venho trabalhando nisso desde 1967.

Folha - E por que a mudança?
Nirenberg -
Porque eu queria explorar. E não sabia muito sobre neurobiologia, não havia muito de conhecido sobre ela. A sedução de explorar é muito empolgante, ser pioneiro em um novo campo.

Folha - Muitos cientistas na época estavam tentando decifrar o código genético por teoria. Watson e Crick gostavam de trabalhar assim, George Gamow também...
Nirenberg -
Gamow foi um dos homens mais interessantes que conheci em minha vida. Ele era esse grande homem-urso, fumava constantemente, segurando seu cigarro daquele jeito russo, entre seu mindinho e o dedo seguinte, tinha um maravilhoso senso de diversão no que fazia. Escreveu um estudo teórico que enviou para a revista "PNAS" e deu cópias para alguns de seus amigos físicos, e eles pediram, imploraram, para que ele retirasse o estudo. Diziam: "Você é um físico. O que você sabe de biologia? Está fazendo papel de bobo". Ele estava errado em todos os detalhes, mas a idéia essencial de um código estava totalmente correta.

Folha - Como o sr. vê as grandes revoluções biotecnológicas atuais, como a engenharia genética?
Nirenberg -
Coisas com engenharia genética em terapia têm um grande futuro. Se você olhar longe, para doenças genéticas para as quais não há terapia disponível, não há dúvida de que vai fazer um bocado de bem. Mas é preciso ser cauteloso ao usar isso, para não fazer nenhum mal. Todas essas manipulações genéticas para terapia não são feitas com células sexuais, elas não podem ser passadas adiante, ninguém fala de alterar células sexuais, que poderiam ser herdadas.

Folha - Watson, por exemplo, parece de bem com essa idéia.
Nirenberg -
Eu não sabia que ele tinha ido tão longe. É preciso ser extremamente cuidadoso, para não cometer erros.


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