São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2008

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VOZ DE MORADOR

Professor ensina rap para combater violência no Capão Redondo

"O jovem não tem vínculo com a escola, mas com a ONG ele tem", diz Paulo Magrão, vice-presidente da Capão Cidadão

WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Ninguém pisca. "Se der alguma coisa errada, é cadeia", diz Paulo Roberto da Silva, 43, de pé no palco que se abre para um descampado usado como campo de futebol. Cercado por barracos de tijolos vermelhos, antenas parabólicas e caixas d'água azuis, no morro do Piolho, Capão Redondo, zona sul de São Paulo, ele discursa a 13 rapazes de 15 a 18 anos. Todos moram ali, ou mais para cima.
E todos estão ansiosos por uma chance na vida -ao menos a de tocar numa festa com o rapper e ídolo Mano Brown. "Lugar pra trabalhar tem, mas se vier às aulas e aprender a mexer no som", diz Paulo Magrão, com a lista na mão. E ele faz a chamada com dificuldade -muitos erguem o braço: dos 13, dois são William; dois, Vinicius; Jonathan, tem mais dois.
"O curso de criatividade é para incentivar o moleque, afastar ele da droga e da violência", diz Magrão, vice-presidente da ONG Capão Cidadão, criada há quatro anos em um dos bairros mais violentos da cidade para oferecer cursos como balé, artesanato e reforço escolar.
"E o jovem não tem vínculo com a escola, mas com a ONG ele tem." Assim, diz, todo o bairro respeita. "Até o traficante. Ele não quer a vida dele para o filho e o filho está aqui. Por isso, aqui nunca roubaram nada."
Há 36 anos no Capão, Magrão assume um tom profético ao falar de violência -termo recorrente entre as palavras de pouco plural. "A primeira vez foi na escola, quando vi o servente esfaquear um aluno." Ele tinha 14 anos. Pouco depois, viu um rapaz ser morto a tiros, em um posto de vacinação; era dia das crianças. "Chacinas, vi muitas. Mas todo mundo no Capão já viu um corpo caído no chão."
Um domingo, conta, foi ao cemitério São Luiz, ali perto, famoso por seus mortos por causa de violência, e pediu ao coveiro para contar as sepulturas abertas no dia. Eram 58. "Eu já vi três gerações morrerem: amigos de infância, amigos de hoje e filhos de amigos. Quando chega um moleque novo aqui falando de roubar e tal, eu falo que vou dar um cartão do São Luiz, pra ficar esperto."
Difícil é resistir ao desemprego e à falta de opções: ali não há teatro, cinema, parque. "Tem muita gente no ócio, jovens que têm como lazer ir ao Habbib's, gente que vai morrer sem nunca ter visto uma piscina", diz Magrão. "Resultado: violência."
Mas Magrão não deixaria o Capão. "Aqui me sinto seguro. Quando comecei, olhava pros meninos e pensava: quem deles vai me matar? Hoje não mais." Pois, apesar das histórias de final triste, é um evangélico esperançoso, que fez só a terceira série, mas aprendeu "o resto na vida". Casado, tem quatro filhas -não teve seu menino. Mas dorme aliviado. Sabe que não terá filho envolvido no tráfico.

"Ali, onde tem barracos"
Mas qual, afinal, é o papel desse moreno alto, de jeans e All Star, cabeça raspada e cavanhaque (na verdade, um tufinho de pêlo), que chama atenção para os dentes faltando? "Eu sou mais um ator cultural", diz, explicando que, há anos, é produtor de artistas como o escritor Fernando Jorge.
Claro que antes vendeu pirulito em circo e levou até elefante pra tomar banho na represa Guarapiranga; foi "um dos primeiros balconistas homens do centro"; e um militante de esquerda que participou de manifestações nos anos 80. Hoje não tem mais partido.
Filho de um pernambucano e de uma alagoana, nasceu em Veleiros, na zona sul de São Paulo, perto da represa de Guarapiranga. Viveu lá até os sete, quando a família saiu correndo por que a água, diziam, chegaria na porta. Acabaram no Capão Redondo, que então estava longe da loucura demográfica dos atuais 261 mil habitantes.
"Aqui era um lugar maravilhoso", diz Magrão, saindo pela porta para mostrar o bairro com o dedo indicador. "Eu pescava no riozinho que tinha ali. E lá tinha um monte de eucaliptos, está vendo; bem lá onde agora tem aqueles barracos."


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