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TRABALHO
O percurso na vida pública foi uma sucessão de lutas
Ao reivindicarem o direito ao voto e ao trabalho em 1848, as mulheres já percebiam que, para conquistarem o espaço público, precisavam mudar a "divisão sexual do trabalho cotidiano"
LUCILA SCAVONE
ESPECIAL PARA A FOLHA
É
OPORTUNO lembrar
que um dos mitos de
origem da celebração
do dia 8 de março é uma greve de costureiras de uma indústria têxtil de Nova York,
em 1857. Por ser fato tão conhecido e citado, um grupo
de historiadoras feministas
francesas, coordenadas por
Françoise Picq, resolveu pesquisá-lo e, surpreendentemente, não encontrou nenhuma pista dessa greve.
Ao analisarem o enigma,
concluíram que esse mito
deve ter sido muito útil para
as mulheres nos últimos 150
anos. A comemoração de um
dia delas abriu espaços que,
se não atenderam a seus anseios, tiveram a pretensão de
os evidenciarem.
O que importa é a força
simbólica desse mito. Com
esse ato político, as operárias
inauguravam bandeiras de
lutas relacionadas ao trabalho, ao mesmo tempo em
que abriam as portas para a
ocupação do espaço público.
De fato, "fazer parte da cidade" foi um processo lento para as mulheres, que começou
com o trabalho assalariado e
ainda não se completou.
O percurso das mulheres
na vida pública foi uma série
de lutas contra uma sociedade patriarcal que as excluiu
dos direitos universais. De
um lado, havia as injunções
da vida pública, de outro, as
da vida privada. Ao reivindicarem o direito ao voto e ao
trabalho em 1848, percebiam que, para conquistarem o espaço público, precisavam mudar a "divisão sexual do trabalho cotidiano".
Apesar das conquistas, as
mulheres seguem responsáveis pela esfera privada e
acumulam trabalho nas duas
frentes. Ocupam-se das
compras, da comida e do
aconchego em um suposto
"toque de mágica", quase
nunca percebido pela família. Na lógica da dominação,
esses trabalhos eram, e ainda
são, considerados "naturalmente" femininos.
Ao recuperar a idéia, do feminismo contemporâneo, de
que o "privado é também político", os estudos de gênero
passaram a considerar que a
questão do trabalho das mulheres está nas duas esferas,
a pública e a privada.
Essa ligação ajuda a entender a persistência da dominação masculina. Livres das
injunções da vida reprodutiva, os homens se expandiram mais facilmente na vida
profissional. A tendência é
que as mulheres tenham carreiras mais descontínuas e
remuneração menor.
Muitos indicadores positivos são divulgados sobre a situação atual do trabalho das
mulheres. Elas estão em cargos de direção e em profissões antes reservadas aos
homens, por exemplo. Essas
mudanças mostram a emergência de novas subjetividades e sociabilidades, que poderão reverter os efeitos da
dominação masculina.
Nunca é demais lembrar a
força simbólica do mito dessa celebração: mulheres lutando por igualdade de direitos no trabalho, mulheres
ocupando o espaço público.
"Sem perder a ternura."
LUCILA SCAVONE é professora de sociologia contemporânea da Unesp, pesquisadora
do CNPq e autora, entre outros, de "Dar a
Vida e Cuidar da Vida: Feminismo e Ciências
Sociais" (Edunesp)
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