São Paulo, quinta-feira, 08 de março de 2007

Texto Anterior | Índice

TRABALHO

O percurso na vida pública foi uma sucessão de lutas

Ao reivindicarem o direito ao voto e ao trabalho em 1848, as mulheres já percebiam que, para conquistarem o espaço público, precisavam mudar a "divisão sexual do trabalho cotidiano"

LUCILA SCAVONE
ESPECIAL PARA A FOLHA

É OPORTUNO lembrar que um dos mitos de origem da celebração do dia 8 de março é uma greve de costureiras de uma indústria têxtil de Nova York, em 1857. Por ser fato tão conhecido e citado, um grupo de historiadoras feministas francesas, coordenadas por Françoise Picq, resolveu pesquisá-lo e, surpreendentemente, não encontrou nenhuma pista dessa greve. Ao analisarem o enigma, concluíram que esse mito deve ter sido muito útil para as mulheres nos últimos 150 anos. A comemoração de um dia delas abriu espaços que, se não atenderam a seus anseios, tiveram a pretensão de os evidenciarem.
O que importa é a força simbólica desse mito. Com esse ato político, as operárias inauguravam bandeiras de lutas relacionadas ao trabalho, ao mesmo tempo em que abriam as portas para a ocupação do espaço público. De fato, "fazer parte da cidade" foi um processo lento para as mulheres, que começou com o trabalho assalariado e ainda não se completou.
O percurso das mulheres na vida pública foi uma série de lutas contra uma sociedade patriarcal que as excluiu dos direitos universais. De um lado, havia as injunções da vida pública, de outro, as da vida privada. Ao reivindicarem o direito ao voto e ao trabalho em 1848, percebiam que, para conquistarem o espaço público, precisavam mudar a "divisão sexual do trabalho cotidiano".
Apesar das conquistas, as mulheres seguem responsáveis pela esfera privada e acumulam trabalho nas duas frentes. Ocupam-se das compras, da comida e do aconchego em um suposto "toque de mágica", quase nunca percebido pela família. Na lógica da dominação, esses trabalhos eram, e ainda são, considerados "naturalmente" femininos.
Ao recuperar a idéia, do feminismo contemporâneo, de que o "privado é também político", os estudos de gênero passaram a considerar que a questão do trabalho das mulheres está nas duas esferas, a pública e a privada. Essa ligação ajuda a entender a persistência da dominação masculina. Livres das injunções da vida reprodutiva, os homens se expandiram mais facilmente na vida profissional. A tendência é que as mulheres tenham carreiras mais descontínuas e remuneração menor.
Muitos indicadores positivos são divulgados sobre a situação atual do trabalho das mulheres. Elas estão em cargos de direção e em profissões antes reservadas aos homens, por exemplo. Essas mudanças mostram a emergência de novas subjetividades e sociabilidades, que poderão reverter os efeitos da dominação masculina. Nunca é demais lembrar a força simbólica do mito dessa celebração: mulheres lutando por igualdade de direitos no trabalho, mulheres ocupando o espaço público. "Sem perder a ternura."


LUCILA SCAVONE é professora de sociologia contemporânea da Unesp, pesquisadora do CNPq e autora, entre outros, de "Dar a Vida e Cuidar da Vida: Feminismo e Ciências Sociais" (Edunesp)


Texto Anterior: Direitos ameaçados
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.