São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2008

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Um cantinho, um mundo

Antes mesmo do célebre concerto do Carnegie Hall, a bossa nova começou a seduzir os músicos americanos com o ritmo sincopado e as harmonias sofisticadas; hoje, está na seleção de standards do jazz

CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No início de maio, ao encerrar o 39º Jazz & Heritage Festival, em Nova Orleans (EUA), a cantora Dianne Reeves abriu seu show com um clássico jobiniano: "Triste". Sem anunciá-la, como se estivesse cantando para uma platéia brasileira, emendou outra pérola da bossa, "Amor em Paz" (de Jobim e Vinicius de Moraes), pedindo palmas para o violão do virtuose carioca Romero Lubambo.
Protagonizado por uma das grandes intérpretes da cena atual do jazz, no mais tradicional evento do gênero nos EUA, esse episódio é sintomático, não só do prestígio da música brasileira mas do grau de familiaridade que a bossa desfruta entre músicos e platéias no mundo. Hoje ouvem-se clássicos da bossa nos principais festivais e clubes de jazz dos EUA, do Japão ou da Europa.
O primeiro marco dessa expansão foi o lendário concerto de bossa nova realizado em 21 de novembro de 1962, em Nova York. Porém, bem antes de Jobim, João Gilberto, Carlos Lyra e Luiz Bonfá, entre outros, entrarem no palco do Carnegie Hall, jazzistas norte-americanos como Charlie Byrd, Stan Getz, Herbie Mann, Coleman Hawkins, Zoot Sims e Curtis Fuller já vinham flertando com a bossa em discos e shows, sem falar nas pioneiras tentativas do guitarrista Laurindo de Almeida, paulista radicado nos EUA, de fundir o samba com o jazz. Para essa aproximação contribuiu bastante o American Jazz Festival, primeiro grande evento do gênero realizado no Brasil, responsável pela vinda de alguns desses jazzistas em julho de 1961, com direito a dividir "jam sessions" com músicos brasileiros.
Ainda que tenha transmitido à platéia nova-iorquina uma imagem meio confusa do que seria a bossa nova, o concerto no Carnegie Hall ajudou a deflagrar as carreiras internacionais de alguns de seus criadores e adeptos. Como Sergio Mendes e Oscar Castro Neves, João Gilberto também fixou residência nos EUA. Em março de 1963, gravou com o saxofonista Stan Getz o álbum "Getz/Gilberto", que inclui a popular "Garota de Ipanema", com vocais de Astrud Gilberto. Hoje, é difícil acreditar que essa gravação fundamental para que a bossa se tornasse uma febre mundial tenha passado quase um ano na gaveta do produtor Creed Taylor, que duvidou de seu apelo comercial. Só na época esse disco vendeu mais de um milhão de cópias -além de conquistar o Grammy.
Jobim, que participou das gravações de "Getz/Gilberto", também viu sua carreira decolar. Durante uma longa temporada nos EUA, gravou álbuns como "The Wonderful World of Antonio Carlos Jobim" (1965) e "A Certain Mr. Jobim" (67), que o estabeleceram no mercado internacional como o maior compositor da bossa nova. Sem falar no álbum que gravou com Frank Sinatra, em 1967, com primorosos arranjos do alemão Claus Ogerman.

Influência recíproca
Num depoimento a Zuza Homem de Mello, em 1968, Jobim apontou uma explicação bem convincente para o interesse dos norte-americanos pela bossa e pelo samba: "O americano chama tudo o que balança de jazz. Nós poderíamos então dizer que o samba é o jazz brasileiro, porque tem também o crioulo, o branco, a influência africana, a influência européia. Todos os elementos que causaram o jazz lá nós temos aqui".
Trata-se, na verdade, de um caso de influência recíproca. Os músicos de jazz foram seduzidos pelo ritmo sincopado e pelas harmonias sofisticadas da bossa nova, assim como a geração de músicos e compositores que a criou, na década de 50, havia sido influenciada tanto pelo jazz moderno de Shorty Rogers, Barney Kessell e Chet Baker como por mestres da canção norte-americana, como Gershwin, Cole Porter e Richard Rodgers.
Assim é fácil entender como a bossa foi integrada ao repertório de standards do jazz, relida por clássicos vocalistas e músicos, como Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Oscar Peterson ou Joe Pass. Mesmo que ela tenha sumido um pouco da cena do jazz, nos anos 70 e 80, desde a década passada novos cantores e instrumentistas, como Diana Krall, John Pizzarelli, Cassandra Wilson, Brad Mehldau, Karrin Allyson, Jane Monheit e Carmen Lundy, voltaram a namorar as clássicas canções de Jobim e seus parceiros. Pelo quanto é cultuada, a bossa parece ter ainda uma longa carreira internacional pela frente.


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