São Paulo, quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

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ROSANA BIANCHINI

Tempo de construir

Arquiteta usa saberes tradicionais em favor do progresso comunitário

RAQUEL BOCATO
ENVIADA ESPECIAL A NOVA LIMA (MG)

No "cronos", tempo cronológico de Rosana Bianchini, 37, o início dos anos 2000 foi marcado por rupturas: a morte do pai, uma referência, a insatisfação profissional e a mudança de Belo Horizonte para Nova Lima, na região metropolitana.
No "kairós", tempo do coração para os gregos, uma outra emoção dividia espaço no universo da arquiteta. Num passeio por Macacos, comunidade de Nova Lima, percebeu o novo asfalto que passava pela região.
O nível da rua foi elevado, e uma das casas, antes com vista da vizinhança e da vegetação, passou a ter o concreto como "paisagem". Pensou em pintar de árvores o muro da frente, mas desistiu: era sua percepção, não a do dono do imóvel.
Porém, permaneceu o desejo de mudança. O caminho encontrado foi a construção coletiva do Instituto Kairós, que oferece aos moradores projetos de saúde, educação e cidadania.
Por meio de cursos, oficinas e ações ligadas ao desenvolvimento socioambiental da comunidade, o Kairós amplia as possibilidades de renda e trabalho, a valorização da biodiversidade e as relações de identidade com a cultura local.
Os mais experientes, os griôs, cantam e contam histórias e lendas aos pequenos, que ba- tucam, brincam e dançam. Curandeiros e rezadeiras ensinam a usar ervas medicinais, distribuídas no posto de saúde. Tudo isso seguindo o "kairós".
Além de sensibilidade "para avaliar resultados no brilho dos olhos das crianças", a fim de manter o instituto de pé, foi fundamental ter muita força.
Como numa preparação do que viria adiante, no primeiro dia de construção do Kairós, caiu a primeira chuva da temporada e, com ela, o lamaçal deslizou sobre a obra. No esforço de salvá-la, Rosana se deitou com outros moradores no barro, criando um muro protetor.

Estruturação
"Fiz muita força física", afirma, lembrando-se dos bambus que carregou para edificar a sede. "Emocional também."
Com o carregar de tijolos, estava acostumada. Desde criança, com a casa limpa, reunia-se com a prima para montar uma escolinha. A mãe apoiava. "Falava que não podia tolher a imaginação dos meninos", diz, ressaltando que a família foi a principal base de sua formação.
Após a faculdade de arquitetura, queria mais. "Tinha vontade de entender o espaço real de intervenção do arquiteto."
Respostas vieram no mês em que ficou na Chapada Diamantina, onde experimentou construir coletivamente um espaço.
"Não está ligado só à técnica -tem um acordo coletivo que se cria. Uma construção. Isso é para tudo na vida", reflete.
Mesmo ciente de que a razão a paralisa e a emoção a conduz, planeja agora cuidadosamente os próximos passos. Na mira, a profissionalização da gestão, com a Fundação Dom Cabral. "O Kairós é eterno. Eu não."


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