São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

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DIREITO

Equilibrar situações antagônicas é um dos maiores desafios enfrentados no dia-a-dia

DA REPORTAGEM LOCAL

Algumas coisas não são aprendidas na faculdade. Por mais que a graduação em direito dê as bases para a atuação, muita coisa só será conhecida na prática. Uma delas, segundo o promotor de habitação e urbanismo do Estado de São Paulo, José Carlos de Freitas, 41, é equilibrar direitos que, muitas vezes, são antagônicos.
Um exemplo que Freitas tem de lidar com freqüência é o caso de ocupações de áreas de mananciais -que teriam de ser preservadas-, por pessoas com renda insuficiente para comprar uma casa em outro lugar. "Quando se analisa, há dois direitos fundamentais que não são seguidos. Há o direito ao ambiente, já que aquela ocupação pode poluir a água, e o direito à moradia. Uma das coisas mais terríveis é equilibrar essas situações antagônicas. É aquela imagem da Justiça segurando uma balança e equilibrando os pratos. Há cerca de 1,5 milhão de pessoas vivendo em áreas de mananciais em São Paulo. Você tira essas pessoas de lá e faz o quê?", questiona.
Além dos casos de irregularidades com loteamentos clandestinos, Freitas atua também naqueles relativos a áreas de risco, à solidez e à estabilidade de construções -como pontes e estádios-, problemas de zoneamento (como comércios e fábricas que se instalam em áreas residenciais), à adequação de locais de trabalho e de recreação e à circulação de pessoas -como vias públicas. Um dos casos mais importantes sob a sua responsabilidade hoje é referente à instalação de antenas de celulares em São Paulo.
Outra item que a Faculdade de Direito da USP, onde se formou em 1985, não ensinou foram os conteúdos e as legislações específicos de arquitetura e urbanismo. Apesar de contar com o apoio de técnicos e de poder encomendar laudos para órgãos oficiais, ele precisa estudar por conta própria. "Não há um curso de direito que ensine habitação e urbanismo, ou mesmo meio ambiente."
Esses conhecimentos são necessários para que ele atue na defesa dos direitos relativos à área e que não atingem indivíduos específicos, e sim todos os habitantes da cidade. Isso, segundo ele, é uma das diferenças do trabalho de um promotor do de um advogado. "Muitas vezes, a verdade do advogado é a verdade do cliente. A verdade do promotor é a verdade da sociedade e da lei."
Para defender esses interesses da sociedade, ele, primeiro, ouve seus membros. Alguns dias da semana são reservados para atendimento ao público, em que pessoas comuns vão fazer reclamações. "A gente faz o que é possível. Ou entra com uma ação, dependendo do caso, ou encaminha a pessoa para assistência judiciária", disse.
Outra possibilidade é a abertura do chamado inquérito civil, que é uma investigação comandada pelo promotor sobre determinada denúncia. É aí que entram os laudos, os pedidos de informação e outras averiguações. "A investigação é estimulante. Você sempre espera descobrir o que está procurando. Mas não tem nada a ver com o que é visto em filmes. Nos EUA, os promotores podem contratar consultorias para ajudar com trabalhos técnicos."
Segundo ele, quem pensa em concorrer a uma vaga em direito não deve basear sua escolha pela imagem da profissão passada pelos filmes, já que a realidade no Brasil é bem diferente. "Mesmo a imagem das novelas é baseada na dos filmes. Aquela encenação toda do júri para qualquer coisa que acontece não existe aqui. Nos EUA, você tem um acidente de trânsito, aí montam aquele teatro todo, com jurados, uma platéia. No Brasil, seria uma audiência só com as partes e, no máximo, um estudante de direito assistindo para tentar aprender alguma coisa. Júri, aqui, só na área criminal."
Exemplo de como os júris não são a regra da profissão, Freitas não enfrenta um há 13 anos. Antes de atuar apenas com habitação e urbanismo, no início da carreira de promotor, fazia todas as áreas, de criminal a problemas de família, no interior do Estado.
Antes de virar funcionário público, já tinha atuado como advogado em um banco. "Apesar de dar muito dinheiro, não me interessei pelo banco. Paralelamente, tinha um escritório para defender pessoas com poucos recursos. Então pensei que seria melhor fazer a mesma coisa, mas com o Estado me remunerando." (AN)


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