São Paulo, Sábado, 13 de Março de 1999
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Uma mulher de 32 anos caiu de um prédio na avenida 9 de Julho, centro de SP

ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local

De repente, em plena escuridão, um corpo desliza pelo ar. Cai rápida e silenciosamente, quase invisível na cidade sem luz. Só faz barulho quando atinge o chão -um ruído seco, recordam os moradores das redondezas. Pensaram que fosse mais um saco de lixo.
Era uma moça. Despencou diante do edifício Juazeiro, na avenida 9 de Julho, uma das mais centrais de São Paulo. Passava das 23h de quinta-feira, e o blecaute já tomara conta de toda a região. Nos dois botecos em torno do prédio, homens e mulheres bebiam sob a claridade precária de velas.
Sabe-se muito pouco a respeito da moça loira que caiu do décimo andar e que, até as 19h de ontem, estava viva. Chama-se Maria Aparecida, nasceu em Mogi das Cruzes (SP) e completa 33 anos amanhã. Com múltiplas fraturas e hemorragia interna, ocupa, inconsciente, um leito na UTI do pronto-socorro do Hospital das Clínicas (HC).
"Mora sozinha. É só o que sei. Chegou aqui há seis meses e não conversa com ninguém", diz Corbiniano Santana, zelador do Juazeiro. O edifício, bastante simples, tem 14 andares e 70 apartamentos. Maria aluga o de número 1.002.
O zelador -e o boletim de ocorrência, registrado no 4º Distrito Policial- acreditam que a moça tentou se matar. Para um dos porteiros do prédio, ela apenas caiu, "atrapalhada com a escuridão".
Ontem à tarde, quase não havia sinais do incidente na porta do edifício, somente alguns galhos, arrancados das árvores em que a moça bateu antes de tocar o solo. A vizinhança, porém, ainda se perguntava: será que o blecaute contribuiu para a queda?
O dono do bar Rosa do Trianon, Nilson Bergamini Alves, lembra que viu Maria no último domingo. "Era cedo, umas 8h. Ela pediu cerveja e ficou bebendo até as 11h30 -cinco garrafas. Entre um gole e outro, chorava baixinho. Quis perguntar o que estava acontecendo, mas não tive coragem."
Na tarde de quinta-feira, Maria começou a agir de modo estranho. Jogou, do décimo andar, um aparelho de som. "Por sorte, não pegou em ninguém", conta uma garçonete do bar Galo Rei. "Mais tarde, a moça atirou uma garrafa; depois, um videocassete. À noite, quando não tinha mais nada para jogar, se jogou ela mesma."
Esparramada no chão, confundia-se com o negrume do asfalto. "Mal conseguia vê-la. Por isso, não me assustei", explica um dos moradores do prédio.
Às 23h10, o Corpo de Bombeiros apareceu para resgatar Maria. Às 23h30, a moça deu entrada no pronto-socorro do HC, que ocupa um andar inteiro do Instituto Central. Havia luz por ali, à força de geradores, mas outras partes do prédio permaneciam escuras, inclusive o centro cirúrgico, para onde Maria deveria ter ido.
Não foi. Submeteu-se a uma delicada operação numa sala de emergência do próprio pronto-socorro. "Não nos restavam mais alternativas", afirmam funcionários do hospital. A sala -esclarecem- dispõe de bons equipamentos, só que está muito perto do entra-e-sai de pacientes, o que aumenta o risco de infecções.
Até ontem à noite, de acordo com o HC, Maria recebeu apenas uma visita -de uma irmã ou uma amiga, não se sabe ao certo.
"Ela se atirou do prédio, sim. Deprimida, sentiu pânico quando veio a escuridão", cogita Welson de Oliveira, sócio do Galo Rei.
"Nada disso", discorda Bergamini Alves, do Rosa do Trianon. "Ela pularia de qualquer jeito. O que causou a queda não foi a escuridão de fora. Foi a escuridão de dentro."


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