|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Uma mulher de 32 anos caiu de um prédio na avenida 9 de Julho, centro de SP
ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local
De repente, em plena escuridão,
um corpo desliza pelo ar. Cai rápida e silenciosamente, quase invisível na cidade sem luz. Só faz barulho quando atinge o chão -um
ruído seco, recordam os moradores das redondezas. Pensaram que
fosse mais um saco de lixo.
Era uma moça. Despencou diante do edifício Juazeiro, na avenida
9 de Julho, uma das mais centrais
de São Paulo. Passava das 23h de
quinta-feira, e o blecaute já tomara
conta de toda a região. Nos dois
botecos em torno do prédio, homens e mulheres bebiam sob a claridade precária de velas.
Sabe-se muito pouco a respeito
da moça loira que caiu do décimo
andar e que, até as 19h de ontem,
estava viva. Chama-se Maria Aparecida, nasceu em Mogi das Cruzes
(SP) e completa 33 anos amanhã.
Com múltiplas fraturas e hemorragia interna, ocupa, inconsciente,
um leito na UTI do pronto-socorro
do Hospital das Clínicas (HC).
"Mora sozinha. É só o que sei.
Chegou aqui há seis meses e não
conversa com ninguém", diz Corbiniano Santana, zelador do Juazeiro. O edifício, bastante simples,
tem 14 andares e 70 apartamentos.
Maria aluga o de número 1.002.
O zelador -e o boletim de ocorrência, registrado no 4º Distrito
Policial- acreditam que a moça
tentou se matar. Para um dos porteiros do prédio, ela apenas caiu,
"atrapalhada com a escuridão".
Ontem à tarde, quase não havia
sinais do incidente na porta do edifício, somente alguns galhos, arrancados das árvores em que a moça bateu antes de tocar o solo. A vizinhança, porém, ainda se perguntava: será que o blecaute contribuiu para a queda?
O dono do bar Rosa do Trianon,
Nilson Bergamini Alves, lembra
que viu Maria no último domingo.
"Era cedo, umas 8h. Ela pediu cerveja e ficou bebendo até as 11h30
-cinco garrafas. Entre um gole e
outro, chorava baixinho. Quis perguntar o que estava acontecendo,
mas não tive coragem."
Na tarde de quinta-feira, Maria
começou a agir de modo estranho.
Jogou, do décimo andar, um aparelho de som. "Por sorte, não pegou em ninguém", conta uma garçonete do bar Galo Rei. "Mais tarde, a moça atirou uma garrafa; depois, um videocassete. À noite,
quando não tinha mais nada para
jogar, se jogou ela mesma."
Esparramada no chão, confundia-se com o negrume do asfalto.
"Mal conseguia vê-la. Por isso, não
me assustei", explica um dos moradores do prédio.
Às 23h10, o Corpo de Bombeiros
apareceu para resgatar Maria. Às
23h30, a moça deu entrada no
pronto-socorro do HC, que ocupa
um andar inteiro do Instituto Central. Havia luz por ali, à força de geradores, mas outras partes do prédio permaneciam escuras, inclusive o centro cirúrgico, para onde
Maria deveria ter ido.
Não foi. Submeteu-se a uma delicada operação numa sala de emergência do próprio pronto-socorro.
"Não nos restavam mais alternativas", afirmam funcionários do
hospital. A sala -esclarecem-
dispõe de bons equipamentos, só
que está muito perto do entra-e-sai
de pacientes, o que aumenta o risco de infecções.
Até ontem à noite, de acordo
com o HC, Maria recebeu apenas
uma visita -de uma irmã ou uma
amiga, não se sabe ao certo.
"Ela se atirou do prédio, sim. Deprimida, sentiu pânico quando
veio a escuridão", cogita Welson
de Oliveira, sócio do Galo Rei.
"Nada disso", discorda Bergamini Alves, do Rosa do Trianon. "Ela
pularia de qualquer jeito. O que
causou a queda não foi a escuridão
de fora. Foi a escuridão de dentro."
Texto Anterior: Água também é racionada Próximo Texto: Gerador falha em 3 hospitais Índice
|