São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2008

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VOZ DO MORADOR

Instalador de TV sonha se tornar pastor evangélico

Jefferson de Lima, que teve a vida marcada pela violência e pelo tráfico, segue hoje a religião de 28% dos moradores da Brasilândia

WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Cercado por milhares de barracos coloridos que cobrem os morros em volta, em uma rua estreita da Brasilândia, vive Jefferson de Lima, 33. Enquanto ajeita os óculos com um dedo indicador, com o outro aponta, na parede da casa de concreto aparente (com uma laje para cima e um puxadinho para o lado), o buraco deixado pelo tiro que não o acertou naquele domingo; a marca dos outros três está no corpo e na memória.
Marcas de violência e tráfico de drogas perpassam a vida desse paulistano com a naturalidade que deu ao bairro a fama de lugar "sem solução". Mas não para Lima. Seu destino, diz, é "ajudar almas cansadas dessa realidade". Ele, que emergiu "do fundo do poço"; que achou "luz onde havia trevas", quer, agora que é "homem de Deus", mostrar aos outros o caminho.
O dele, começou brincando de bola nas ruas de terra da Brasilândia ou descendo de rolimã os morros recém-cobertos de asfalto. Perdeu o pai aos dois anos, verdade, mas a mãe "foi pai e mãe" e nunca deixou faltar comida, roupa ou escola.
Até que, aos 13, passou a andar com a galera, a conhecer o "submundo". "A gente queria ser homem e via os adultos fumando baseado na esquina." Em 1988, o irmão o levou ao barbeiro, abriu espaço entre os pentes e dispôs as carreiras de cocaína no balcão. Aí passaram a usar e ir para festas em outros bairros "impor respeito". "A gente era Brasilândia e o pessoal tinha medo, como hoje."
Aos 17 conheceu "o diabo", o crack que queimou no cachimbo e arregalou os olhos. Usava todo dia. Perdeu emprego, passou a roubar roupa dos irmãos. "Minha mãe chegou a me acorrentar." E ela chora, ao lembrar do dia em que escondeu o dinheiro da pensão no forno e só lembrou ao assar frango e sentir cheiro de papel queimado.
Ele ainda entrou para o tráfico, apanhou (perdeu cinco dentes), tomou tiro -achou que "não tinha mais volta". Até que, diz, os olhos azuis brilhando: "Finalmente encontrei Jesus".

Virada
Com um tom fervoroso e bíblico que cora as bochechas, ele fala da "virada" em sua vida -quando casou, teve dois filhos e pensou: "Preciso mudar minha história." Batizou-se como evangélico na Igreja Universal do Reino de Deus e sentiu a "fé sobrenatural e forte que dá forças". Nunca mais se drogou.
O que explicaria, diz, o fato de 28% dos moradores do bairro serem evangélicos. "A Brasilândia está cansada de tanta violência. As pessoas perdem filhos, buscam respostas e não acham. Por isso estamos rodeados de igrejas." E ele fala como o obreiro do Ministério Tempo de Graça, que o pastor indica para conversar com ex-usuários e ex-traficantes, "pessoas que não vêem luz. A mensagem é: clínica não adianta, cadeia também. É preciso ter fé."
Ele tem. Os dentes perdidos, repôs com próteses pagas com dois salários mínimos que ganha como instalador de TV. O atraso na escola (fez a oitava série), tira lendo a bíblia, de onde extrai suas lições de moral. Sua maior lição é a perseverança.
"Aqui falta lazer, falta cultura. Parque para levar a família, não tem; nem hospital, nem médico no posto, só enfermeiro. Creche, as crianças só vão se sujar. É duro. Mas não saio daqui. Nasci na Brasilândia e aqui vou ser feliz", diz, sorriso na boca. Agora que descobriu a vocação, tudo será mais fácil. "Meu sonho é certo: vou ser pastor."


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