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VOZ DO MORADOR
Instalador de TV sonha se tornar pastor evangélico
Jefferson de Lima, que teve a vida marcada pela violência e pelo tráfico, segue hoje a religião de 28% dos moradores da Brasilândia
WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Cercado por milhares de barracos coloridos que cobrem os
morros em volta, em uma rua
estreita da Brasilândia, vive
Jefferson de Lima, 33. Enquanto ajeita os óculos com um dedo
indicador, com o outro aponta,
na parede da casa de concreto
aparente (com uma laje para cima e um puxadinho para o lado), o buraco deixado pelo tiro
que não o acertou naquele domingo; a marca dos outros três
está no corpo e na memória.
Marcas de violência e tráfico
de drogas perpassam a vida
desse paulistano com a naturalidade que deu ao bairro a fama
de lugar "sem solução". Mas
não para Lima. Seu destino, diz,
é "ajudar almas cansadas dessa
realidade". Ele, que emergiu
"do fundo do poço"; que achou
"luz onde havia trevas", quer,
agora que é "homem de Deus",
mostrar aos outros o caminho.
O dele, começou brincando
de bola nas ruas de terra da
Brasilândia ou descendo de rolimã os morros recém-cobertos
de asfalto. Perdeu o pai aos dois
anos, verdade, mas a mãe "foi
pai e mãe" e nunca deixou faltar comida, roupa ou escola.
Até que, aos 13, passou a andar com a galera, a conhecer o
"submundo". "A gente queria
ser homem e via os adultos fumando baseado na esquina."
Em 1988, o irmão o levou ao
barbeiro, abriu espaço entre os
pentes e dispôs as carreiras de
cocaína no balcão. Aí passaram
a usar e ir para festas em outros
bairros "impor respeito". "A
gente era Brasilândia e o pessoal tinha medo, como hoje."
Aos 17 conheceu "o diabo", o
crack que queimou no cachimbo e arregalou os olhos. Usava
todo dia. Perdeu emprego, passou a roubar roupa dos irmãos.
"Minha mãe chegou a me acorrentar." E ela chora, ao lembrar
do dia em que escondeu o dinheiro da pensão no forno e só
lembrou ao assar frango e sentir cheiro de papel queimado.
Ele ainda entrou para o tráfico, apanhou (perdeu cinco dentes), tomou tiro -achou que
"não tinha mais volta". Até que,
diz, os olhos azuis brilhando:
"Finalmente encontrei Jesus".
Virada
Com um tom fervoroso e bíblico que cora as bochechas, ele
fala da "virada" em sua vida
-quando casou, teve dois filhos
e pensou: "Preciso mudar minha história." Batizou-se como
evangélico na Igreja Universal
do Reino de Deus e sentiu a "fé
sobrenatural e forte que dá forças". Nunca mais se drogou.
O que explicaria, diz, o fato de
28% dos moradores do bairro
serem evangélicos. "A Brasilândia está cansada de tanta violência. As pessoas perdem filhos, buscam respostas e não
acham. Por isso estamos rodeados de igrejas." E ele fala como
o obreiro do Ministério Tempo
de Graça, que o pastor indica
para conversar com ex-usuários e ex-traficantes, "pessoas
que não vêem luz. A mensagem
é: clínica não adianta, cadeia
também. É preciso ter fé."
Ele tem. Os dentes perdidos,
repôs com próteses pagas com
dois salários mínimos que ganha como instalador de TV. O
atraso na escola (fez a oitava série), tira lendo a bíblia, de onde
extrai suas lições de moral. Sua
maior lição é a perseverança.
"Aqui falta lazer, falta cultura. Parque para levar a família,
não tem; nem hospital, nem
médico no posto, só enfermeiro. Creche, as crianças só vão se
sujar. É duro. Mas não saio daqui. Nasci na Brasilândia e aqui
vou ser feliz", diz, sorriso na boca. Agora que descobriu a vocação, tudo será mais fácil. "Meu
sonho é certo: vou ser pastor."
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