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"Qualquer débil faz cesárea"
Mais velho entre os mais citados, Neme viu a introdução do ultrassom e da raquidiana
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando completou 70 anos,
o ginecologista e obstetra Bussâmara Neme comprou uma fazenda em Piratininga (SP), onde nasceu. A ideia era descansar da intensa vida que levava
desde que se formou em medicina, em 1941. "Pensei que ficaria velhinho e que ninguém
mais me quereria", diz.
Nada mais equivocado. Aos
93 anos, o médico -que viveu
marcos como a introdução do
ultrassom, dos antibióticos e da
anestesia raquidiana no parto- segue na ativa.
Semanalmente, participa de
reuniões na USP e viaja a Sorocaba e a Campinas para dar aulas. Até 2008, ia dirigindo. Agora, aceitou a sugestão da família
de contratar um motorista.
"Vou lendo o jornal, batendo
papo. Eu dirijo bem, mas é outra coisa ir vendo a paisagem."
As consultas particulares ele
concentrou nas quartas-feiras.
Algumas pacientes estão com
ele desde o início de sua carreira. "Tem aquelas mulheres que
perguntam: "Mas o dr. Neme
está vivo? Ainda trabalha?" E
dizem que não querem outro",
conta ele, que só não faz mais
partos na clínica particular. Parou dois anos atrás, por querer
mais liberdade. "Se quero ir ao
Guarujá, vou ao Guarujá. Se
quero passear, vou passear."
Mas seus alunos ainda podem vê-lo em ação. Nos hospitais universitários, Neme faz
partos, que adora, a ponto de se
definir como "parteiro". "O
obstetra é um refinado. Parteiro é quem sabe fazer um parto."
Seu forte, diz, é o parto normal. "A cesárea é uma intervenção que qualquer débil mental
faz. Basta ser médico: ele abre o
abdômen, corta o útero, tira a
criança e fecha. Mas fazer um
parto vaginal benfeito, isso é
para poucos, pois exige muito
aprendizado e experiência."
Contribuíram para essa experiência as inúmeras noites
em claro nas maternidades. Na
Unicamp, chegava a dormir na
enfermaria para fazer partos à
noite. Por oito anos, ele literalmente morou em duas maternidades onde fez residência.
"Eu dormia, comia e aprendia
lá. Quando surgia um caso grave, todo mundo acordava para
ver", conta o médico, que foi
discípulo do renomado professor Raul Briquet, de quem herdou um estetoscópio de Pinard
-espécie de cone usado para
ouvir os batimentos cardíacos
do feto e que ele ainda usa.
No início da carreira, a maioria dos partos era domiciliar.
Quando havia complicações,
era chamado pelas parteiras.
"Fiz muito parto difícil. Eu colocava a mulher na mesa da cozinha, o marido segurava uma
perna, a parteira a outra, e eu
fazia um fórceps que hoje nem
na maternidade tenho coragem
de fazer", lembra.
Filho de libaneses, Neme
nasceu em casa, assim como
seus dez irmãos. Foi ele quem
fez os dois partos de Ruth, com
quem é casado há 61 anos. Para
Neme, além dos antibióticos e
da anestesia raquidiana, o ultrassom foi um marco na obstetrícia. "O bebê só falta conversar com você. A gente vê ele
brincando. É uma beleza."
O médico diz que não pensa
em se aposentar por enquanto.
"No dia em que eu perceber
que não estou suficientemente
bem para ajudar o meu paciente, eu fecho o consultório."
Ele programa a reedição de
um de seus livros e reúne material para escrever outro. No
tempo livre, pratica natação e
vai à sua fazenda, onde anda a
cavalo. Numa noite em que estava lá, acordou com uma gritaria. Era uma égua que estava
parindo, com dificuldades. "Pedi licença, fui puxando e rodando o cavalinho até que ele saiu.
O pessoal perguntou: "Mas o senhor é veterinário?" Respondi:
"Não, eu sou parteiro"."
(FM)
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