São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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"Qualquer débil faz cesárea"

Mais velho entre os mais citados, Neme viu a introdução do ultrassom e da raquidiana

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando completou 70 anos, o ginecologista e obstetra Bussâmara Neme comprou uma fazenda em Piratininga (SP), onde nasceu. A ideia era descansar da intensa vida que levava desde que se formou em medicina, em 1941. "Pensei que ficaria velhinho e que ninguém mais me quereria", diz.
Nada mais equivocado. Aos 93 anos, o médico -que viveu marcos como a introdução do ultrassom, dos antibióticos e da anestesia raquidiana no parto- segue na ativa.
Semanalmente, participa de reuniões na USP e viaja a Sorocaba e a Campinas para dar aulas. Até 2008, ia dirigindo. Agora, aceitou a sugestão da família de contratar um motorista. "Vou lendo o jornal, batendo papo. Eu dirijo bem, mas é outra coisa ir vendo a paisagem."
As consultas particulares ele concentrou nas quartas-feiras. Algumas pacientes estão com ele desde o início de sua carreira. "Tem aquelas mulheres que perguntam: "Mas o dr. Neme está vivo? Ainda trabalha?" E dizem que não querem outro", conta ele, que só não faz mais partos na clínica particular. Parou dois anos atrás, por querer mais liberdade. "Se quero ir ao Guarujá, vou ao Guarujá. Se quero passear, vou passear."
Mas seus alunos ainda podem vê-lo em ação. Nos hospitais universitários, Neme faz partos, que adora, a ponto de se definir como "parteiro". "O obstetra é um refinado. Parteiro é quem sabe fazer um parto."
Seu forte, diz, é o parto normal. "A cesárea é uma intervenção que qualquer débil mental faz. Basta ser médico: ele abre o abdômen, corta o útero, tira a criança e fecha. Mas fazer um parto vaginal benfeito, isso é para poucos, pois exige muito aprendizado e experiência."
Contribuíram para essa experiência as inúmeras noites em claro nas maternidades. Na Unicamp, chegava a dormir na enfermaria para fazer partos à noite. Por oito anos, ele literalmente morou em duas maternidades onde fez residência. "Eu dormia, comia e aprendia lá. Quando surgia um caso grave, todo mundo acordava para ver", conta o médico, que foi discípulo do renomado professor Raul Briquet, de quem herdou um estetoscópio de Pinard -espécie de cone usado para ouvir os batimentos cardíacos do feto e que ele ainda usa.
No início da carreira, a maioria dos partos era domiciliar. Quando havia complicações, era chamado pelas parteiras. "Fiz muito parto difícil. Eu colocava a mulher na mesa da cozinha, o marido segurava uma perna, a parteira a outra, e eu fazia um fórceps que hoje nem na maternidade tenho coragem de fazer", lembra.
Filho de libaneses, Neme nasceu em casa, assim como seus dez irmãos. Foi ele quem fez os dois partos de Ruth, com quem é casado há 61 anos. Para Neme, além dos antibióticos e da anestesia raquidiana, o ultrassom foi um marco na obstetrícia. "O bebê só falta conversar com você. A gente vê ele brincando. É uma beleza."
O médico diz que não pensa em se aposentar por enquanto. "No dia em que eu perceber que não estou suficientemente bem para ajudar o meu paciente, eu fecho o consultório."
Ele programa a reedição de um de seus livros e reúne material para escrever outro. No tempo livre, pratica natação e vai à sua fazenda, onde anda a cavalo. Numa noite em que estava lá, acordou com uma gritaria. Era uma égua que estava parindo, com dificuldades. "Pedi licença, fui puxando e rodando o cavalinho até que ele saiu. O pessoal perguntou: "Mas o senhor é veterinário?" Respondi: "Não, eu sou parteiro"." (FM)


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